23 de Dezembro de 1866, por
C.H.SPURGEON
no Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres
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“E o anjo lhes disse: Não temais” Lucas 2:10 (ACF)
Quando o anjo do Senhor apareceu aos pastores, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles, eles ficaram aterrorizados. Chegou ao ponto em que os homens tiveram tanto medo de seu Deus, que quando o SENHOR enviou Seus pacíficos mensageiros com boas novas de grande alegria, os homens ficaram cheios de pavor como se fosse o anjo da morte que tivesse aparecido com a espada erguida diante deles. O silêncio da noite e a sua sombria escuridão não causaram temor no coração dos pastores, mas o alegre arauto dos céus, revestido das delicadas vestes das glórias da graça, fizeram eles temerem. De modo algum podemos condenar os pastores por esse motivo, embora eles fossem particularmente tímidos ou ignorantes, eles estavam apenas agindo como qualquer outra pessoa daquela época teria feito nas mesmas circunstâncias.
Não foi porque eram pastores simples que ficaram atemorizados de tão maravilhados, pois é provável que até os profetas bem instruídos teriam demonstrado o mesmo sentimento. Porque há muitos casos registrados nas Escrituras em que as autoridades de seu tempo tremeram e sentiram pavor das noites longas quando as manifestações sobrenaturais de Deus lhes eram concedidas.
Na verdade, um temor servil a Deus era tão comum que surgiu uma tradição dele, que foi universalmente recebida como nada mais e nada menos que seguinte verdade: geralmente acreditava-se que toda manifestação sobrenatural deveria ser considerada um símbolo de morte rápida. “Certamente pereceremos porque vimos a Deus.”(Juízes 13:22) não foi apenas a conclusão de Manoá, mas sim, da maioria dos homens de sua época. Na verdade, poucas pessoas eram aquelas mentes bem-aventuradas que, como a esposa de Manoá, podiam pensar de um ponto de vista mais positivo: “Se o Senhor tivesse a intenção de nos destruir, Ele não nos teria mostrado coisas como essas.” (Juízes 13:23).
Tornou-se a firme convicção estabelecida de todos os homens, sejam letrados ou ignorantes, bons ou maus, que uma manifestação de Deus não era tanto para se celebrar, pelo contrário, era para ser temida. Da mesma forma que disse Jacó: “Quão terrível é este lugar! Não é outro senão a casa de Deus” (Gênesis 28:17). Sem dúvida o espírito que originou essa tradição foi incentivado pela dispensação legal, a qual é mais adequada para servos medrosos do que filhos amados. Era o espirito da escrava, que gerou em escravidão. Como na solene noite em que foi ordenada a prática da maior ordenança numa noite de tremor, a morte estava presente na morte do cordeiro. (conf. Êxodo 12). O sangue estava espalhado pelos umbrais das casas, não havia fogo para assar o cordeiro, e todos os sinais do julgamento estavam lá para marcar a mente com temor. Foi na terrível meia-noite que solenemente se reuniram a família, com porta fechada, e os próprios convidados numa atitude ansiosa e aterrorizados, pois os seus corações podiam ouvir o som das asas do anjo da morte ao passar pela casa.
Mais adiante na história, quando Israel chegou no deserto, e a Lei foi proclamada, porventura não lemos que o povo ficou afastado? E que limites foram estabelecidos ao redor do monte? E se caso um animal tocasse o monte seria apedrejado ou abatido por um dardo? (conf. Êxodo 19:12-13). Foi um dia de medo e tremor quando Deus falou com eles do meio do fogo. Não foi com os acordes suaves da harpa, do hinário ou do saltério que a lei do Senhor chegou aos ouvidos de Seu povo. Não foi pelo voo suave dos anjos que a mensagem veio, nem por algum dia ensolarado e calmo, dado por Deus, que a mente foi cativada. Pelo contrário, foi através de som de trombeta e trovões, no meio dos resplandecentes relâmpagos, e com Sinai totalmente fumegando que a lei foi dada. A declaração da lei era clara: “Não se aproximem daqui a noite!”. O espírito do Sinai é medo e tremor.
As cerimônias da lei eram mais para inspirar temor do que gerar confiança. O levita no templo viu derramamento de sangue desde o primeiro dia do ano até o final do ano. A manhã nascia com o derramamento de sangue do cordeiro, e as sombras da tarde não poderiam se pôr sem que o sangue fosse novamente derramado sobre o altar. Deus estava no meio do arraial, todavia a coluna de nuvem e de fogo era Seu cômodo inacessível. O emblema de Sua glória estava oculto atrás da cortina de linho fino azul e escarlate torcido, atrás da qual apenas um pé poderia passar, e isso apenas uma vez por ano (conf. Levítico 16). Homens falavam do Deus de Israel com respiração pausada, em voz baixa e num tom solene. Eles não aprenderam a falar: “Pai Nosso que estás nos céus”.
Eles não receberam o Espírito de adoração e não estavam capacitados a dizer ‘Abba’, Pai. Eles sofriam sob o espírito da escravidão, o que os deixava com muito medo quando o Senhor manifestava Sua presença entre eles por meio de qualquer derramamento imprevisto de Sua glória. Por trás de todo esse temor servil estava o pecado.
Nunca encontramos Adão com medo de Deus, nem temendo qualquer manifestação da Dele enquanto ele estava no paraíso como uma criatura obediente, mas assim que ele tocou no fruto proibido, percebeu que estava nu e se escondeu (Genesis 3:7). Ao ouvir a voz do Senhor Deus caminhando no jardim no final do dia, Adão ficou apavorado e escondeu-se da presença do Senhor entre as árvores do jardim. O pecado torna todos nós miseráveis covardes. Veja, o homem que antes conseguia manter um diálogo agradável com seu Criador agora se esconde no jardim como um malfeitor consciente de sua culpa e que teme enfrentar os oficiais da justiça.
Amados, para remover este terrível pesadelo no medo servil do seio da humanidade, onde sua horrível influência reprime todas as aspirações mais nobres da alma, nosso Senhor Jesus Cristo veio em carne. Esta é uma das obras do diabo que Ele se manifestou para destruir. Os anjos vieram anunciar as boas novas do advento do Deus encarnado, e a primeira nota de sua canção foi uma antecipação da feliz consequência de Sua vinda a todos aqueles que O receberiam. O anjo declarou: “Não temais”, como se os tempos de medo tivessem findados e os dias de esperança e jubilo tivessem chegado. “Não temais”. Essas palavras não foram dirigidas apenas àqueles pastores trêmulos, mas também foram dirigidas a você e a mim, sim, e a todas as nações as quais as boas novas chegariam. Deixe Deus não ser mais um objeto do seu temor servil! Não fiquem mais distante Dele. A Palavra se fez carne. Deus desceu seu tabernáculo entre os homens para que não haja barreira de fogo nem um abismo escancarado entre Deus e o homem.
Desejo abordar este assunto esta manhã, e que Deus me ajude. Tenho consciência da riqueza do assunto e estou muito ciente de que não posso fazer jus. Eu sinceramente pediria a Deus, o Espírito Santo, que fizesse você beber do cálice dourado da encarnação de Cristo os goles que eu tenho desfrutado em minhas meditações pessoais. Dificilmente posso desejar maior alegria para meus amigos mais queridos. Para o medo não há antídoto mais excelente do que o tema daquela canção da meia-noite, os primeiros e melhores corais natalinos, que desde a primeira estrofe até a última nota ressoa a doce mensagem, que começa com “não temais”:
“É o meu mais doce conforto, Senhor,
E sempre será,
Meditar sobre a graciosa verdade
Da Tua Humanidade.
Ah, alegria! Habitando em carne,
Sobre um trono resplandecente,
Nascido de uma mãe humana,
E em perfeita Divindade brilhante!
“Embora os fundamentos da terra sejam abalados,
Até suas profundezas;
Embora todo o universo, tremulo,
Seja varrido para a destruição;
Para sempre Deus, para sempre homem,
Meu Jesus permanecerá;
E fixada Nele está, minha esperança permanece
Eternamente segura.”[1]
Queridos amigos, primeiro chamarei a atenção de vocês com algumas observações sobre o temor de que já contei. Assim, em segundo lugar, despertarei sua sincera atenção para o remédio que os anjos vieram proclamar. E então, em terceiro lugar, conforme tivermos tempo, nos esforçaremos para fazer uma aplicação deste remédio sob várias circunstâncias.
I. Com respeito ao TEMOR que lemos no texto, talvez fosse bom fazer algumas considerações.
Existe um tipo de medo de Deus do qual não devemos querer ser livres. Há aquele temor lícito, necessário, admirável e excelente que é sempre devido da criatura ao Criador, do súdito ao rei, sim, e do filho aos pais. Esse temor santo e filial de Deus, que nos faz temer o pecado e faz com que buscamos ser obedientes aos Seus mandamentos deve ser cultivado, uma vez que, “tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaríamos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” (Hebreus 12:9) . Isto é o “temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 9:10). Ter um santo respeito por nosso santíssimo Pai, justo, reto e terno é um privilégio, e não um julgo.
O temor do Senhor não é o mesmo que o “temor que atormenta” (1 João 4:18), o amor perfeito não o lança fora esse, mas habita com ele em perfeita harmonia. Os anjos amam a Deus perfeitamente, e ainda assim, com temor santo, eles cobrem suas faces com suas asas quando se aproximam Dele, e nós quando contemplarmos em glória a face de Deus e estivermos preenchidos com toda a Sua plenitude, não cessaremos de ter a humildade e a reverência na adoração a Infinita Majestade. O temor pela santidade de Deus é obra do Espírito Santo, e ai do homem que não o possui. Por mais que ele se vanglorie, o fato dele “apascenta-se a si mesmo sem temor” [Judas 12] é uma marca de sua hipocrisia.
O temor que deve ser evitado é o temor servil, ou seja, o medo que expulsa o amor perfeito, como Sara expulsou a escrava e seu filho [Gênesis 21:8]. Aquele temor que nos mantém afastados de Deus, que nos faz pensar Nele como um Espírito com quem não podemos ter comunhão, como um ser que não se importa conosco exceto para nos punir, e por quem, por consequência, não nos importamos, a menos que seja para fugir, se possível, de Sua terrível presença. Este temor às vezes surge no coração dos homens por causa de suas reflexões que se concentram exclusivamente na grandeza divina. Acaso, é possível espreitar o grande abismo do infinito e não ter medo? Acaso pode a mente humana se submeter a ponderar a respeito do Eterno, Auto Existente e Infinito Deus sem ficar cheia, primeira de admiração, e depois, de pavor? Quem sou eu? Um pulgão rastejando sobre uma roseira é uma criatura mais perceptível em relação ao universo do reino animal do que eu, quando me comparo a grandeza de Deus. O que eu sou? Um grão de poeira, que não chega nem a mover a balança da mais delicada e precisa, chega a ser algo grande se comparado ao ser humano diante de Jeová. Na melhor das hipóteses somos vaidade, e ainda, menos do que nada. Todavia, há mais assuntos para nos humilhar do que esses. Tivemos a impertinência de sermos desobedientes à vontade deste grande Ser, e agora, a bondade e a grandeza de Sua Natureza são para nós como uma corrente contraria, a qual a humanidade pecadora luta em vão, pois a torrente irresistível deve seguir seu curso e subjugar todos os seus opositores.
O que o grande Deus nos parece fora de Cristo senão um maravilhoso rochedo? Ameaçando nos esmagar, ou como um mar bravo apressando-se a nos gradar? A contemplação da grandeza divina pode, por si só, encher o homem de horror e lançá-lo numa miséria indescritível! Reflita muito nesses assuntos e, como Jó, você tremerá diante de Jeová, que do seu trono move a terra de seu lugar e faz tremer os seus pilares.
Cada um dos atributos severos de Deus causará de igual forma o temor. Pense em Seu poder pelo qual Ele faz rotacionar as estrelas, e cubra sua boca com as mãos. Pense em Sua sabedoria pela qual Ele enumera das nuvens e estabelece as ordens do céu. Medite sobre qualquer um desses atributos, mas sobretudo, em Sua justiça e sobre aquele fogo devorador que arde incessantemente contra o pecado, logo, não é de se admirar que a alma fique cheia de temor.
Por enquanto, deixe que o senso de pecado, com seu grande chicote de arame, flagele a consciência e de temor com o simples conceito de Deus. Pois este é o peso da voz da consciência para o homem culpado: “Se você fosse uma criatura obediente, este Deus ainda seria terrível para você, pois até os céus não são puros diante de seus olhos, e Ele acusou Seus anjos de insensatez. Ora, quem és tu para que seja considerado justo com Deus ou ter alguma reivindicação sobre Ele? Uma vez que você O ofendeu, levantando a sua mão de rebelião contra a insondável majestade da onipotência – O que você imagina que pode acontecer contigo? Qual pode ser a sua porção senão ser afastado para sempre como um monumento de sua justa ira?”
Agora, um medo como esse sendo facilmente criado numa mente que pensa, e sendo de fato, como me parece, a herança natural do homem, como consequência do pecado, é muito doloroso e prejudicial. Pois, onde quer que haja um pavor por causa da subordinação ao Ser Divino, isso aliena o homem completamente de seu Deus. Somos, por nossa própria natureza maligna, inimigos de Deus, e a imaginação de que Deus é cruel, severo e terrível acrescenta mais lenha ao fogo de nossa inimizade. Aqueles a quem tememos servilmente, não podemos amar. Você não conseguiria fazer com que seu filho demonstrasse amor por você se seu coraçãozinho estivesse cheio de medo, se temesse ouvir seus passos e ficasse em pânico com o som de sua voz, de fato, ele não poderia amá-lo.
Uma das obras-primas de Satanás é enganar o homem, apresentando-lhe à mente uma imagem odiosa de Deus. Ele sabe que os homens não podem amar aquilo que os aterroriza e, assim, pinta o Senhor da graça como um ser duro e implacável que não aceita o arrependido e que não tem piedade dos abatidos. Deus é amor! Certamente, se os homens tivessem graça suficiente para enxergar a beleza daquele retrato de Deus – aquela miniatura esboçada contendo apenas uma única linha: “Deus é amor!”, eles voluntariamente serviriam a tal Deus.
Quando o Espírito Santo capacita a mente humana a perceber o caráter de Deus, o coração do homem não pode se recusar a amá-Lo. Por mais baixos, caídos e depravados que sejam os homens, quando são iluminados do alto para ponderar corretamente a respeito de Deus, seus corações se derretem sob os amáveis feixes luminosos do divino amor, e eles amam a Deus porque Ele os amou primeiro.
Entretanto, aqui está a obra-prima de Satanás: ele não permite que a mente humana perceba a excelência do caráter de Deus, e desse modo, o coração não pode amar aquilo que a mente não entende como sendo algo amável e bom. Além de afastar o coração de Deus, esse temor cria um preconceito contra o Evangelho da Graça de Deus.
Há pessoas neste lugar, nesta manhã, que acreditam que se fossem religiosas seriam infelizes. É uma convicção bem consolidada de metade de Londres que crer em Jesus e ser obediente a Deus, que é a essência de toda religião verdadeira, seria sua própria miséria. “Ah”, diz o homem mundano, “eu deveria desistir do meu prazer, se eu me tornar um cristão”. Veja, esta é uma das calúnias mais perversas que já foi inventada, e ainda assim é uma crença comum em todos os lugares. É a teologia popular que ser inimigo de Deus é sinônimo de felicidade, enquanto ser amigo de Deus é tristeza. Que opinião dos homens devem ter de Deus, quando creem que amá-Lo é ser miserável! Ó, se pudessem entender, se soubessem quão bom o Senhor é, ao invés de imaginar que ser Seu servo seria escravidão. Eu oro para que eles pudessem apenas entender que ser amigo Dele é a posição mais elevada e mais feliz que as criaturas podem ocupar.
Este temor, em alguns, os afasta de todo coração de serem salvos. Ao pensarem que Deus é um ser zeloso, eles se mantêm distantes Dele, e se houver alguma doce atração de vez em quando em um sermão, como algum suave quebrantamento de sua consciência, o bom desejo nunca amadurece numa resposta concreta. Eles não dizem: “Eu me levantarei e irei para meu Pai”, porque eles não O conhecem como Pai; eles apenas O conhecem como um fogo consumidor, e um homem não diz: “Levantar-me-ei e irei para um fogo consumidor”. Não, mas assim como Jonas, ele pagaria de bom grado sua passagem, independentemente da despesa, e iria para Tarsis com o propósito de fugir da presença do Senhor. É isso que torna o homem tão miserável — o fato de que eles não podem fugir de Deus pois imaginam que se pudessem escapar de Sua presença, então rumariam para a bem-aventurança. Entretanto, estando condenados a estar onde Deus está, então eles entendem que só lhes resta a infelicidade e a miséria. Os suaves ventos da advertência da misericórdia e os trovões da justiça são de igual forma impotentes sobre os homens enquanto suas mentes estiverem cauterizadas e tornadas insensíveis por um temor profano de Deus.
Esse medo perverso de Deus frequentemente leva os homens aos extremos do pecado. O homem diz: “Não há esperança para mim. Cometi um erro fatal ao ser inimigo de Deus e estou irremediavelmente arruinado. Não tenho esperança de que algum dia serei restaurado à felicidade e à paz. Então, o que farei? Lançarei as rédeas sobre o pescoço de minhas paixões, desafiarei o destino e arriscarei. Terei a felicidade que pode ser encontrada no pecado. Se não puder me reconciliar com o céu, serei um bom servo no inferno”. Consequentemente, sabe-se que os homens se apressam de um crime a outro com uma criatividade maliciosa de rebelião contra o Senhor, como se nunca pudessem ficar satisfeitos nem felizes até que acumulassem mais e mais obstinações contra a majestade de Deus, o qual temem em seus corações com temor intensamente diabólico unido com ódio. Se eles pudessem compreender que Ele ainda está disposto a receber os rebeldes, que no Seu íntimo anseia pelos pecadores, se eles pudessem pelo menos uma vez crer que Ele é amor e que não deseja a morte de um pecador, pelo contrário, preferiria que tal se voltasse para Ele para que vivesse, certamente o curso de suas vidas seria mudado. Contudo, o deus deste mundo os cega e difama o Senhor até que considerem uma insensatez submeter-se a Deus.
Queridos amigos, este mal que causa mil males opera de inúmeras formas maléficas. Ó, é infame, é perverso, imaginar que Deus, o qual é luz e não há trevas alguma, seja objeto de tamanho pavor. É infernal, não posso dizer menos, é diabólico ao mais alto grau, pintar Deus como um demônio, sendo Ele Jeová, o Deus do amor. Ó, impertinência do príncipe das trevas, e a insensatez dos homens, em consentir com isso de que Deus seja indisposto a perdoar, odioso, cruel, duro, mal. Sendo que Ele é amor, supremamente e acima de todas as coisas, amor. Ele é justo, porém ainda mais amoroso de fato pois é justo. Ele é verdadeiro e, portanto, certamente punirá o pecado, e punirá porque não seria nem bom nem justo deixar o pecado impune. Logo, esta é uma ingratidão vil por parte de uma criatura que recebe muito, por difamar seu benfeitor. O mal que é assim feito ao Senhor recai sobre o homem, porque esse medo atormenta. Não há miséria mais atormentadora no mundo do que pensar em Deus como nosso inimigo implacável.
Vocês, cristãos, que perderam há muito tempo o espírito de adoção, vocês que se afastaram do Senhor, nada pode ser mais assustador para vocês do que o medo de que Deus o tenha rejeitado e não o receba novamente. Ó, desviados, nada pode afastá-los do Pai celestial com o temor Dele. Se vocês puderem realmente saber que Ele não deve ser temido com um temor servil, vocês viriam a Ele como seus filhos fazem com vocês, e diriam: “Meu Pai, eu o ofendi, tenha misericórdia de mim! Meu Pai, estou aborrecido e entristecido por meu pecado, perdoe-me, receba-me novamente em Teus braços e socorra-me com Tua poderosa graça para que eu logo possa andar em Teus preceitos e ser obediente à Tua vontade”.
Meus queridos amigos, vocês que conhecem alguma coisa a respeito da vida espiritual, não percebem que quando vocês têm doces pensamentos a respeito de Deus soprados em vocês do alto, e tem o especial amor de Deus derramado em seus corações, logo, é assim que vocês são mais santos! Vocês não percebem que a única maneira pela qual vocês podem crescer naquilo que é moral e espiritualmente amável é ter seu Deus gracioso em grande estima e sentir Seu precioso amor ardendo em seus corações? Que sejam como crianças, é o que o Senhor deseja para Seus eleitos. É isso que Seu Espírito opera em Seus escolhidos e é isso onde devemos chegar se quisermos ser participantes da herança dos santos na luz. O temor servil se opõe tanto a fé genuína de uma criança, o qual é como se fosse um veneno de víbora. O pavor e o medo revelam em nós tudo o que pertence ao adulto e não à criança, pois nos incita a resistir ao objeto de nosso medo. Uma confiança firme na bondade de Deus lança fora todo medo e traz à tona tudo o que há de infantil em nós. Você já viu uma criança confiar em algum homem grande e rude, e derrubá-lo com sua confiança? Ela confiou onde aparentemente não havia motivos para confiar e criou um terreno para si mesma.
Essa mesma criança que simplesmente e implicitamente confia em um pai amoroso e bom é uma nobre imagem, e se eu, uma criança pobre, fraca e débil, consciente de que sou assim, sabendo que sou todo formado por insensatez e fraqueza, somente acredito em meu bem, o grande Deus, por meio de Cristo Jesus, venha confiar-me a Ele e o deixe-O fazer aquilo que lhe apraz comigo, crendo que Ele não será cruel e não agirá com insensatez. Se eu puder repousar completamente em Seu amor e ser obediente à Sua vontade, então terei alcançado o ponto mais alto que uma criatura pode alcançar. O Espírito Santo terá então realizado em mim Sua obra consumada e estarei apto para o céu. Amados, é porque o medo se opõe e impede isso, que eu digo com o anjo: “não temais”.
II. Temo que eu os canse enquanto falo sobre esse assunto um tanto doloroso e, assim, com tanta brevidade quanto a abundância do tema permitir, vamos observar em segundo lugar, A CURA PARA ESSE TEMOR o qual o anjo veio anunciar. E se consiste nisto: “Hoje na cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2:11).
“Até que o Deus encarnado veja,
Meus pensamentos não encontrarão conforto;
Os santos, justos e sagrados Três
São terrores para minha mente.
Mas se o rosto de Emanuel aparecer,
Minha esperança, e minha alegria começam;
Pois Seu nome proíbe meu medo servil,
Sua graça remove meus pecados.”[2]
Essa é a nossa cura: Deus conosco, Deus se fez carne. Vamos tentar mostrar com isso através do hino do anjo. Segundo o texto, eles não deveriam temer, pois, antes de tudo, o anjo veio trazer as boas novas. Como isso aconteceu? Ele disse: “Trago boas novas de grande alegria”. Mas qual foi esse Evangelho? Mais adiante nos é dito que o Evangelho foi o fato de Cristo ter nascido. Portanto, é uma boa notícia para os homens que Cristo nasceu, que Deus desceu e assumiu a forma humana, numa união consigo mesmo. Aquele que fez os céus dorme numa manjedoura.
E então? Por que então Deus não é necessariamente um inimigo do homem? Pois aqui Deus realmente está assumindo a humanidade em aliança com a Deidade. Não pode haver uma inimizade permanente, irreversível e enraizada entre as duas naturezas, caso contrário, a natureza divina não poderia ter considerado a natureza humana numa união hipostática consigo mesma. Não há conforto nessas palavras? Você é um homem pobre, pecador e fraco, e o que o faz temer ao Senhor é esse medo de que exista uma inimizade permanente entre Deus e o homem. Entretanto, não é necessário que haja tal inimizade, uma vez que o seu Criador realmente tomou sobre si a humanidade em perfeita união consigo mesmo.
Ora, você não vê outro pensamento aqui? O Eterno parece estar tão distante de nós. Ele é infinito e nós somos criaturinhas. Parece existir um grande abismo firmado entre o homem e Deus, mesmo sendo nós obras de suas mãos. Mas, observe, Aquele que é Deus também se tornou homem. Nunca ouvimos dizer que Deus tomou a natureza dos anjos em uma união consigo mesmo. Logo, podemos dizer que entre a Divindade e a natureza de um anjo ainda deve existir uma distância infinita. Porém aqui, o Senhor realmente uniu a humanidade consigo mesmo. Portanto, já não há um grande abismo entre um elo e outro, pelo contrário, existe aqui uma maravilhosa união. Deus estabeleceu laços matrimoniais com a humanidade.
Ó minha alma, você não fica agora como um pobre órfão, solitário, aguardando no vasto oceano o seu pai que o deixou para trás e que está tão longe que não pode ouvi-lo. Você não soluça e suspira agora como uma criança deixada nua e indefesa, tendo seu criador se afastado, estando longe demais, para considerar suas necessidades ou ouvir seus gritos. Não, pelo contrário, o seu Criador tornou-se como você. Acaso essa é uma palavra muito forte para se usar? Aquele pelo qual nada do que foi feito se fez, é o Verbo que habitou entre nós e se fez carne; se fez carne de tal modo que Ele foi tentado em todas as áreas, assim como nós somos, mas sem pecado.
Ó humanidade, alguma vez houve notícias como esta para você?! Pobre humanidade, fraca, verme e pó da terra, muito inferior aos anjos, levante a cabeça e não tenha medo! Ah, pobre humanidade, nascida em debilidade, vivendo em trabalhos, coberta de suor e finalmente morrendo para ser comida pelos vermes; não se envergonhe mesmo na presença dos serafins, pois ao lado de Deus Pai, está o homem, e nem mesmo um arcanjo pode estar tão próximo, mesmo estando no mesmo ambiente, não, de modo algum, não tão próximo de Deus. Dificilmente há isso a ser dito, porque Jesus, que é Deus, também é homem.
Jesus Cristo, eternamente Deus, nasceu, viveu e morreu como nós também. Essa é a primeira palavra de conforto para expulsar o nosso temor. O segundo ponto que tira o temor é que esse homem, que também é Deus, de fato, nasceu. Observe a expressão que o anjo usou: “lhes nasceu” (Lucas 2:10). Nosso Senhor Jesus Cristo é, em alguns sentidos, mais homem que Adão. Adão não nasceu. Adão nunca teve que lutar contra os riscos e debilidades da infância. Ele não conhecia as miudezas da infância, uma vez que ele cresceu e amadureceu imediatamente. Nosso pai Adão não conseguia simpatizar conosco quando erámos um bebê ou uma criança. Agora, todavia, Jesus é semelhante ao filho do homem! Ele está conosco envolto por panos numa manjedoura. Ele não começa entre nós como um homem de meia-idade, como Adão, mas nos acompanha em nossas dores, fraquezas e enfermidades da infância, e continua conosco até a sepultura.
Amados, este é um doce conforto. Aquele que hoje é Deus já foi uma criança, de modo que se minhas necessidades forem pequenas e até mesmo triviais e igualmente infantis, eu posso ir até Ele, uma vez que Ele já foi uma criança. Embora os grandes da terra possam zombar do filho da pobreza e os levem a dizer: “Você é muito mal e seu problema é muito pequeno para se ter pena e ser considerado”. Recordo-me com humilde alegria, de que o Rei do céu foi sustentado no peito de uma mulher e envolto em panos, e assim, conto a Ele todas as minhas tristezas. Ó! Quão maravilhoso é que Ele foi um bebê e ainda assim Deus sobre todos, nos abençoando para sempre! Não tenho medo de Deus agora. Este abençoado vínculo entre mim e Deus, o santo menino Jesus, eliminou todo o medo.
Observe que o anjo lhes contou um pouco sobre Seu ofício, assim como sobre Seu nascimento: “Lhes nasceu hoje o Salvador” (Lucas 2:11a). O principal objetivo pelo qual Ele nasceu e veio neste mundo foi para que pecadores fossem libertos do pecado. Logo, o que foi que nos deixou atemorizados? Não tínhamos medo de Deus porque sentíamos que estávamos perdidos em nossos pecados? Pois bem, aqui está a alegria das alegrias. Aqui não encontramos apenas nosso Senhor que veio e viveu entre nós, como homem, mas também, Ele se fez homem para salvar o ser humano daquilo que o separava de Deus Pai.
Eu me sinto, como se pudesse chorar por alguns aqui, que têm vivido descontroladamente e se distanciado de Deus, seu pai, por causa de seus maus caminhos. Eu sei que eles têm receio de voltar. Eles pensam que o Senhor não os receberá, e que não existe mais misericórdia para pecadores como eles. Ah, mas pense nisso: Cristo Jesus veio buscar e salvar aquele que estava perdido. Ele nasceu para salvar. Se Ele não salva, logo, Ele nasceu em vão, pois o propósito do Seu nascimento foi a salvação. Se Ele não for o salvador, então a missão de Deus na terra perdeu sua finalidade, uma vez que seu desígnio era que pecadores perdidos pudessem ser salvos.
Perdeu um, sim, o inferno perdeu um, se houvesse uma notícia de que um anjo veio a terra para salvá-lo, já poderíamos encontrar alguma alegria nisso, entretanto, temos noticiais ainda melhores. Pois, Deus veio, o Grande Eu Sou, o Todo-Poderoso, desceu do mais alto céu para poder resgatar você, um pobre miserável, impotente e pecador. Acaso não encontramos conforto aqui? Acaso o Salvador encarnado não elimina o terrível pavor que paira sobre os homens, como uma nuvem escura?
Observe também que o anjo não se esqueceu de descrever a pessoa deste Salvador: “Lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2:11). Ai está a sua humanidade. Como homem, Ele foi ungido. “O Senhor”, aqui vemos a Sua Divindade. Sim, esta é a firme verdade sobre a qual firmamos nossos pés: Jesus de Nazaré é Deus. Aquele que foi concebido no ventre da virgem e nasceu numa manjedoura de Belém, é agora, assim como sempre foi, Deus sobre todos e bendito para sempre. Não existe evangelho se Ele não for Deus. Não é nenhuma novidade anunciar o nascimento de um grande profeta. Tivemos grandes profetas antes, mas o mundo nunca foi redimido do mal pelo mero testemunho da verdade, e nunca será. Conte-me que Deus nasceu, que o próprio Senhor abraçou nossa natureza e a uniu a Ele, então os sinos do meu coração irão tocar alegremente, porque agora posso ir até Deus, já que Ele primeiro veio a mim.
Queridos amigos, todavia, vocês perceberão que o teor da mensagem que o anjo proclamou está nisso, “para todos vocês”. Você nunca obterá o genuíno conforto do encarnado Salvador até perceber seu interesse pessoal Nele. Cristo, como homem era o representante. Aliás, nunca houve senão dois homens representantes, o primeiro é Adão, e Adão enquanto era obediente, todo povo permanecia de pé, por outro lado, em Adão desobediente, todo povo caiu. Por isso, “em Adão todos morreram”. Agora, o homem Jesus é o nosso segundo grande representante. Todavia, Ele não representa todos, mas sim, todos aqueles que Seu Pai lhes deu. Desse modo, ele é o representante dos eleitos. Logo, independente do que Jesus Cristo fez, se você pertence àqueles que estão ligados Nele, Ele fez por você. Para que seja, Cristo circuncidado conforme a lei ou Cristo crucificado, Cristo morto ou Cristo ressuscitado, você é participante de tudo o que Ele fez e de tudo o que Ele é, uma vez que você é um com Ele.
Veja, então a felicidade e o consolo da encarnação de Cristo. Será que Jesus, como homem, foi capaz de levar a humanidade para o céu? Sim, Ele me levou até lá. Nosso pai Adão caiu, e eu caí porque estava nele. Porquanto o Senhor Jesus Cristo ressuscita, e eu ascendo se estou Nele. Amados, vejam, quando Cristo Jesus foi pregado no madeiro todos os seus eleitos foram pregados ali, e sofreram e padeceram Nele. Quando Ele foi colocado na sepultura, todo o Seu povo dormiu Nele, pois estavam nos lombos de Jesus assim como Levi estava nos lombos de Abraão. E assim, quando Jesus ressuscitou, eles ressuscitaram e receberam a antecipação de sua própria ressurreição do futuro, porque Ele vive, logo, eles viverão, e agora que Ele subiu aos céus para reivindicar o trono, Ele o reivindicou para cada alma que está ligada Nele.
Ó, isso de fato é uma alegria! Então, como posso ter medo de Deus, uma vez que neste dia, pela fé, eu, um pobre pecador indigno, tendo colocado minha confiança em Jesus, ouso dizer que estou assentado no trono de Deus. Não, não pense que fomos longe demais, pois na pessoa de Cristo, todo cristão é elevado e feito se assentar, juntos, nas regiões celestiais em Cristo Jesus. Porque assim como Jesus está lá, representativamente cada um de nós está Nele. Eu gostaria de ter o poder de trazer à tona a tão preciosa doutrina da encarnação, o quanto posso desejar, porque quanto mais meditamos sobre ela, mais felizes nos tornamos.
Observemos como essa verdade é muito importante a respeito de Jesus, o Filho de Deus veio realmente em carne. É uma verdade tão importante que temos três testemunhas designadas para mantê-la diante de nós na terra (1 João 5:8).
Por vezes, temos perseverado neste local na espiritualidade da esperança cristã. Mostramos que o exterior na religião, por si só, de nada vale, visto que é o espírito no nosso interior que é o que há de mais importante. Devo confessar que algumas vezes perguntei a mim mesmo, e espero que não tenha sido de forma rebelde: “Qual o propósito desse batismo e para que serve essa comunhão da Ceia do Senhor?”. Ora, essas duas ordenanças externas, quaisquer que sejam seus excelentes usos, têm sido as duas coisas em torno das quais mais erros se aglomeram, mais do que quaisquer outras ordenanças. E eu ouvi dizer, de amigos inclinados a seguir mais devotadamente os ensinos dos Quakers, a seguinte questão: “Por que não deixamos de lado por completo o que as práticas que são exteriores e visíveis aos olhos? Que seja o batismo do Espírito, e não o Batismo com água. Que não tenha os elementos da ceia, o pão e o vinho, mas que tenha a comunhão com Cristo sem esses sacramentos visíveis”.
Devo confessar que embora não ouse prosseguir com isso, porque espero permanecer firme no claro testemunho das Escrituras, mas meu coração se deixou levar pela tentação e eu disse desanimado: “Os homens sempre perverterão esses dois sacramentos, não seria bom se só os seguissem?”. Enquanto fui exercitado meu pensamento sobre este assunto, consciente de que as ordenanças estão corretas e devem ser obedecidas, encontrei descanso naquele texto: “ E três são os que testificam na terra: o Espirito, a água e o sangue” (1 João 5:8). Eles testemunham a missão de Jesus como Cristo, ou seja, de fato testemunham a encarnação de Deus.
Eles testificam a materialidade de Cristo. Você já percebeu que, geralmente, quando as pessoas desistem das duas ordenanças, elas revelam uma tendência de desistir do fato que literalmente Deus se fez carne? Literalmente o fato de que Cristo era realmente um homem tem sido geralmente posto em dúvida ou colocado em segundo plano quando os dois sacramentos externos são abandonados, e eu creio que essas duas ordenanças simbólicas, que são um elo entre o espiritual e o material, estão firmadas e surgiram de um propósito de apresentar Jesus Cristo, que embora gloriosamente sendo espirito, era também um homem, envolto em um corpo carnal e com sangue de verdade, assim como nós, para que Ele pudesse ser visto e tocado, assim como Ele falou: “ Vejam minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; toquem em mim e vejam se é verdade, porque um espirito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho (Lucas 24:39)”.
Quando penso sobre o Espírito Santo, que dá testemunho de que Cristo era realmente um homem, penso Nele por esse testemunho. Então, me volto para a água, e quando leio que Cristo foi batizado nas águas no rio Jordão publicamente, percebo que Ele não poderia ter sido um fantasma. Não poderia ter sido um mero ser espectral, uma vez que estava imerso em água. Logo, Ele deve ter sido um homem de carne e osso, em matéria.
A preservação do sacramento do batismo é um testemunho da existência do Deus encarnado. Em seguida, vem o sangue. Ele não poderia ter derramado seu sangue no Calvário, se fosse um fantasma. E também, não poderia ter sido sangue escorrendo de Seu lado quando a lança o perfurou, caso Ele fosse apenas uma aparição fantasmagórica. Pelo contrário, Ele precisaria ser de carne e osso, totalmente palpável, como nós. E sempre que nos aproximamos à Sua mesa, pegamos o cálice e ouvimos as palavras: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado por vocês” (Lucas 22:20), este é a terceira testemunha, na terra, do fato de que Jesus veio em carne e com sangue, assim como todo homem.
Portanto, o Espírito, a água e o sangue são os três testemunhos sólidos na Igreja de Deus de que Cristo Jesus era e é Deus, e de que Ele também era e é real, genuinamente e verdadeiramente homem. Eu terei ainda mais prazer com esse sacramento por causa disso. Essas duas ordenanças servem para nos fazer lembrar que Cristo era homem, e que a religião tem algo a ver com este nosso corpo e sangue, uma vez que este mesmo corpo ressuscitará do túmulo. Jesus veio para libertar esta pobre carne da corrupção, e assim, embora devamos sempre manter o espiritual em primeiro lugar, somo impedidos de rejeitar o nosso corpo material, como se este fosse do diabo, Jesus purificou tanto o reino carnal como o reino espiritual, e em ambos Ele reina triunfantemente. Há muito consolo aqui nessas palavras.
III. Por fim, só podemos usar mais alguns segundos para a A APLICAÇÃO DO REMÉDIO PARA VÁRIOS CASOS.
Filho de Deus, você que diz: “Não me atrevo a ir ao Pai hoje, sinto-me tão fraco”. Não temas, pois Aquele que nasceu em Belém disse: “A cana quebrada não esmagarei, e o pavio que fumega não apagarei” (Isaías 42:3). Outro diz: “jamais chegarei ao céu, nunca verei a face de Deus”, e ainda, com toda firmeza diz, “pois estou sendo tão tentado”. Para você, “não tema”, pois “não temos um sumo sacerdote que não possa se compadecer das fraquezas de nossas enfermidades, uma vez que Ele mesmo foi tentado, de todas as formas, assim como vocês” (Hebreus 4:15). “Ah, mas estou tão solitário no mundo”, diz outro, “nenhuma pessoa cuida de mim”. De qualquer forma, há um homem que se importa tanto contigo, um verdadeiro homem, como você. Ele ainda é seu irmão e não se esquece de um espírito abatido e solitário.
Mas também ouço um pecador dizer: “Tenho medo de ir a Deus esta manhã e confessar que eu sou um pecador”. Então, não vá a Deus, mas vá a Cristo. Certamente você não O temeria. Veja Deus em Cristo, e não fora de Cristo. Se você pudesse conhecer Jesus, você imediatamente iria a Ele, pois saberia que Ele o diria: “Vá e não peques mais”. Outro alguém diz: “não posso orar, porque tenho medo de orar”. Ora, não diga isso quando é um homem também aquele que o escuta! Você pode temer a face do Senhor, mas quando Deus é em carne e osso, você entende que não há motivos para ficar aterrorizado? Vá, pobre pecador, se aproxime de Jesus.
Outra pessoa diz: “me sinto incapaz de ir”. Você pode ser incapaz de ir a Deus, mas não de ir a Cristo. Existe requisitos e habilidades necessárias para permanecer no santo monte do Senhor, mas não há requisitos para vir ao Senhor Jesus. Ora, venha como você se encontra, culpado, perdido e arruinado. Venha como está e Ele o receberá. E aí ouço alguém dizer nos fundos: “Ah, não posso confiar”. Entendo que você não seja capaz de confiar no Grande Deus invisível, todavia, será que ao menos você não pode confiar naquele Filho do Homem sofredor e ferido, que também é o Filho de Deus? Por fim, ouço, “Mesmo assim, não posso esperar que Ele ao menos me veja”. Apesar disso, Ele costumava olhar para quem você é. Lembre-se que Ele recebeu publicanos e pecadores, comeu com eles, e até mesmo as prostitutas não foram expulsas de Sua presença. Ó, já que Deus levou o homem à união consigo mesmo, não tema!
Caso eu converse com alguém que por causa do pecado se afastou tanto de Deus, que tem até pânico ao pensar no nome do Senhor, e ainda assim, visto que Cristo Jesus é chamado de “o amigo dos pecadores”, rogo que você reflita sobre Ele, ó pobre alma, como seu amigo. Ah! Que o Espírito Santo abra seus olhos cegos para que você veja que não há motivos para você se afastar de Deus, exceto seus próprios pensamentos equivocados sobre Ele! Que você creia que Ele é capaz e está disposto a te salvar! Que você possa compreender seu grande caráter, bom e cheio de graça, Sua prontidão para ultrapassar a transgressão, a iniquidade e o pecado! E que as doces influências da graça o constranjam a vir a Ele nesta mesma manhã! Que o Senhor conceda que Jesus Cristo possa ser gerado em você, que a esperança da glória seja gerada em ti, e que logo você possa cantar: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra e boa vontade para com os homens.” (Lucas 2:13). Amém.
PORÇÃO DA ESCRITURA LIDA ANTES DO SERMÃO – Lucas 2:1-24
ORE PARA QUE O ESPÍRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.
FONTE
Traduzido de https://www.spurgeongems.org/sermon/chs727.pdf
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público.
Título original: God Incarnate, the End of Fear
Sermão nº 727—Volume 7 do The Metropolitan Tabernacle Pulpit
Tradução: Bárbara Thomaz
Revisão e diagramação: Armando Marcos
Imagem da capa: “The Annunciation to the Shepherds” do pintor holandês calvinista Benjamin Gerritsz. Cuyp (1612 – 1652) https://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Gerritsz._Cuyp
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[1] Hino “Christ´s Humanity” de Edward Caswall [1814-1878], que apareceu pela primeira vez em 1858 no livro “The masque of Mary : and other poems”. Spurgeon incluiu esse hino em seu próprio hinário “Our own Hymn-Book”, sob o número 260, e o citou em diversos sermões. FONTE: https://archive.org/details/masqueofmaryothe00caswrich/page/n11/mode/2up?q=Christ%27s+Humanity&view=theater E https://archive.org/details/ourownhymnbook0000chsp/page/n259/mode/2up .Há de se notar que Caswall foi um clérigo anglicano e escritor de hinos que se converteu ao catolicismo romano por influência do movimento de Oxford em 1847. Spurgeon aproveitou um hino de um converso ao catolicismo romano nesse momento, mas certamente aproveitando a utilidade dele nesse sentido. [N.do Revisor]
[2] Versos 2 e 3 do Hino “God Reconciled in Christ” de Isaac Watts [1674-1748] Publicado pela primeira vez na 2ª edição de seus Hinos e Cânticos Sagrados , em 1709. Segundo John Julian em seu Dicionário de Hinologia, esse hino “foi incluído em muitas das coleções mais antigas, como as de Whitefield e Toplady, e continuou a ocupar uma posição de destaque nos hinários até o presente” FONTE: https://hymnary.org/text/dearest_of_all_the_names_above#