Título original: BREAKING THE LONG SILENCE – Mr. Spurgeon’s last two Addresses, delivered at Menton, on New Year’s Eve, and New Year’s Morning, 1892
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APRESENTAÇAO E CONTEXTO
Por Armando Marcos, editor de Projeto Spurgeon
Charles Haddon Spurgeon já enfrentava durante anos, desde aproximadamente o meio da década de 1860, mas de forma mais intensa no fim dos anos 1870, constantes ataques de gota e reumatismo que o deixava longos períodos impossibilitado fisicamente de exercer suas atividades pastorais e filantrópicas. A cada fim de ano a partir do fim dos anos 70, Spurgeon passava os meses de inverno na Riviera Francesa, especificamente na cidade de Mentone, no sul da França, próximo à fronteira Italiana. Essa cidade era muito procurada por pessoas procurando reestabelecer sua saúde, e o clima ameno favorecia muito a saúde de Spurgeon.
Porém, principalmente depois da controvérsia do declínio teológico entre 1887-1888, a saúde de Spurgeon piorava cada vez mais, apresentando um agravamento de seu estado, com crises de gota e reumatismo cada vez piores, e nos últimos tempos apresentado sintomas de inflamação renal, conhecida na época como “Doença de Bright”. Em 1890 a situação começou ficar cada vez mais fora de controle, e em 26 de abril de 1891 pela primeira vez em quarenta anos, ele foi compelido por um ataque de nervosismo a deixar o púlpito depois de entrar nele. Spurgeon conseguiu ainda pregar até a manhã de 17 de maio, quando então a doença o dominou, e apenas mais uma vez na manhã de domingo, 7 de junho, ele ficou em seu púlpito. Seu estado era tão grave que se considerou instalar um elevador no Tabernáculo Metropolitano para facilitar a locomoção do amado pastor. Milhares de pessoas oravam por sua saúde e reabilitação em todo o mundo e em todas as seções da igreja.
Apesar de sua fraqueza, ele insistiu em ir naquela semana para revisitar Stambourne em preparação para o livro de memórias da infância que estava escrevendo. Lá, sua doença reapareceu, e ele retornou a Londres. Por mais de um mês ele ficou deitado, a maior parte do tempo inconsciente, só de vez em quando livre do delírio que era uma tristeza que o acompanhavam.
Após uma breve melhora, ficou evidente que Spurgeon precisava se afastar mais ainda de seus trabalhos pastorais, e prevendo uma falta prolongada se seu púlpito, aceitou um convite do pastor presbiteriano americano A.T. Pierson para o substituir por alguns meses no Tabernáculo. Em outubro Pierson chegou em Londres, e ele partiu para o sul da França na segunda-feira, 26 de outubro, acompanhado pela Sra. Spurgeon, pela primeira vez depois de anos de doença, pelo seu irmão James Archer Spurgeon e sua esposa, seu amigo o editor Joshep Passmore, seu devotado secretário Joseph W. Harrald e mais alguns amigos. Eles chegaram ao Hotel Beau-Rivage, Mentone, sem incidentes, e lá Charles e Susannah tiveram, apesar da fragilidade de ambos, três meses de uma última lua de mel.
Na última noite do ano 1891 e no dia primeiro de janeiro de 1892, Spurgeon fez os dois discursos que você lerá, que foram posteriormente publicados sob o título “Quebrando o Longo Silêncio” no mês de fevereiro da “The Sword of the Trowel”, a revista do ministério de Spurgeon. A melhora de Spurgeon por alguns dias foi tanta que ele teve tempo de continuar a escrita de seu comentário ao evangelho de Mateus até as partes finais e selecionar sermões para um livro especial que ia ser impresso como um resumo de seu ministério, e escrever cartas para seu povo no Tabernáculo e as crianças do seu orfanato, e até mesmo mandar um telegrama para dar as condolências pela morte repentina do filho do príncipe de Gales, ocorrida dia 14 de janeiro. Nas noites de domingo, 10 e 17 de janeiro, Spurgeon queria pregar, mas por recomendação dos amigos que sentiram que Spurgeon não teria forças para pregar, ele apenas leu alguns de seus próprios escritos nos cultos organizados no hotel, e no final do segundo culto, ele anunciou o hino “As Areias do Tempo Estão Afundando” do puritano Samuel Rutherford.
Em 15 de janeiro, foi comemorado o aniversário de Susannah, e no dia 20, foi a piora final de Charles Haddon Spurgeon. Nas palavras de seu secretário Harrald: “À noite, sua mão doía tanto por causa da gota que ele foi dormir cedo; e daquela cama ele nunca se levantou. No dia seguinte, uma gota na cabeça aumentou nossa ansiedade em relação ao nosso querido paciente e, desde então até o fim, foi necessário que ele fosse atendido com amor e cuidado, dia e noite; e esse serviço foi prestado com muita alegria e boa vontade. Ninguém previu que a doença assumiria uma forma tão terrível, embora o querido doente nos assegurasse que sua cabeça doía exatamente como quando voltou de Essex no verão, e ele temia ficar tão doente quanto antes. estive em “Westwood” durante aqueles meses de ansiedade do ano passado. Foi nessa época que o Sr. Spurgeon me disse: “Meu trabalho está concluído”, e falou de vários assuntos que mostravam que ele sentia que seu fim estava se aproximando. Mesmo assim, todos nós nos apegamos à esperança de que ele seria poupado para nós e até mesmo autorizado a pregar novamente; mas na manhã de terça-feira, 26 de janeiro, o Dr. FitzHenry foi obrigado a relatar a condição de seu paciente como “grave”.
Quando tudo terminou, cerca de uma hora antes da meia-noite do dia do Senhor, 31 de janeiro de 1892, o pequeno grupo de cinco pessoas, antes mencionado, ajoelhou-se ao lado da cama, e o “portador de armadura” primeiro agradeceu pelo fato de o querido sofredor estar em paz. descanse, e então elogiou todos os que haviam sido tão dolorosamente desamparados à graça sustentadora do Divino Consolador. Antes que alguém se mexesse, outra voz foi ouvida: a da amada viúva, que, naquela hora difícil, agradeceu ao Senhor pelo precioso tesouro que por tanto tempo lhe foi emprestado, e buscou no trono da graça a força e a ajuda tão dolorosamente.”
A notícia da morte de Spurgeon chegou no mundo todo como uma bomba. Muitos esperavam mais uma vez sua recuperação. O corpo de Spurgeon foi enviado para Londres e depois de vários serviços memorais fúnebres, foi enterrado no cemitério Norwood em 14 de fevereiro, de onde seu corpo espera até hoje a volta de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Esses dois breves sermões são as últimas pregações daquele que foi conhecido como o príncipe dos pregadores, mas que na verdade estava apenas fazendo o seu trabalho para o Rei Jesus, o verdadeiro príncipe dos príncipes. Ore para que esses textos o ajudem a refletir nos caminhos do ano passado e que possam servir de alento para o ano seguinte.[1]
Sermão 1
Retrospectivas Divinas de Fim de Ano
Uma Breve mensagem pregada na noite de quinta-feira,
31 de dezembro de 1891
Por Charles Haddon Spurgeon
Para um pequeno grupo de amigos e sua esposa Susannah
Que foi sua penúltima pregação em vida, antes de seu falecimento
Em 31 de Janeiro de 1892
No Hôtel Beau Rivage, em Menton, Sul da França
(e publicada e editada na revista “The Sword of the Trowel” de Fevereiro de 1892, com o título de “Rompendo o longo silêncio”)
Queridos amigos, não posso dizer muito a vocês. Eu gostaria de tê-los convidado alegremente para a oração todas as manhãs se pudesse ter encontrado vocês. Mas eu não estava suficiente forte para fazê-lo. Todavia, não posso deixar de falar com vocês, nesta última noite do ano, como uma Retrospectiva, e talvez na manhã de Ano Novo, eu possa acrescentar uma palavra ao título de uma Perspectiva. Chegamos tão longe na jornada da vida, e estando no limite de outro ano, olhamos para trás. Você não precisará de mim para tentar elaborar palavras e frases bonitas: cada um, com seus próprios olhos, agora examinará o seu próprio caminho.
Entre os acontecimentos impressionantes a serem observados estão os perigos dos quais escapamos. Depois que o peregrino de Bunyan atravessou em segurança o Vale da Sombra da Morte, a luz da manhã raiou sobre Cristão, ao se sentar, olhou para trás e viu a terrível estrada pela qual havia passado. Certa vez, pareceu-lhe terrível ter marchado por aquele vale à noite. Mas quando ele olhou para trás e viu os horrores dos quais havia escapado, deve ter se sentido feliz pela escuridão ter escondido muito de seu perigo quando ele estava realmente no meio dela. Quase o mesmo aconteceu conosco: graças a Deus, agora podemos ver claramente os perigos que passamos por eles em segurança.
Ao longo do ano que termina esta noite, alguns de nós estiveram muito próximos das garras da morte, enquanto outros de nós podem ter contornado também o abismo do desespero, mas ainda assim, estamos vivos e com esperança.
Nosso caminho foi cheio de provações e tentações, mas não nos foi permitido cair. Nosso coração foi dilacerado por conflitos internos, mas a fé provou ser vitoriosa. Nenhum de nós sabe o quão perto esteve de algum grande pecado ou de algum passo em falso. Uma única cilada poderia ter mudado todo o significado da vida para nós, porém dessa armadilha fomos preservados. Outros tropeçaram e caíram tristemente, mas nós, que temos as mesmas paixões que eles, exclamamos: “Bendita seja a mão que nos sustentou!”. A liturgia grega fala dos “sofrimentos desconhecidos” do Salvador, que sem dúvida foram os maiores de todos os seus infortúnios[2]. Podemos falar com igual precisão de nossos perigos desconhecidos, pois provavelmente eles foram os maiores de nossos perigos. O Senhor viu o que não poderíamos ver e nos guardou onde não poderíamos estar protegidos.
Gostaria de lembrá-los de que evitar males é um favor de escolha. Um pai puritano encontrou seu filho em uma reunião. Cada um deles havia viajado vários quilômetros para chegar ao local designado e, quando se encontraram, o filho bradou com gratidão: “Pai! Experimentei uma grande providência na estrada, pois o cavalo tropeçou três vezes, até me jogou no chão e eu ainda estou ileso”. Seu pai respondeu: “Está certo. Mas eu também desfrutei de uma grande providência durante a viagem, pois meu cavalo percorreu o caminho todo sem tropeçar uma única vez”. Verdadeiramente, ser mantido fora do perigo é um grande privilégio como ser preservado no perigo. Apesar de nós esquecermos disso. Agradecemos a Deus pelas vidas preservadas, pelo conforto ininterrupto e caráter imaculado, pois esses artigos são “frágeis” e o fato de não serem quebrados é uma maravilha da graça. No entanto, desde a última vez que nos encontramos, quantos morreram! Pragas e mortes têm voado ao nosso redor, como tiros no meio de uma batalha. E somente Aquele que, no passado, protegeu a cabeça de Davi no dia da batalha, poderia ter nos livrado da morte. Nossa vida espiritual ainda sobrevive e somente Aquele que mantem as estrelas em seus cursos poderia ter nos mantido em nossa integridade. Deveríamos trazer lágrimas de gratidão aos nossos olhos enquanto, citando a linguagem de Cantares de Salomão, olhamos “desde topo de Amana, desde o topo de Senir e de Hebrom, desde os covis dos leões, desde os montes dos leopardos (Cantares 4:8)”.
De minha parte não ouso omitir de minha retrospectiva os pecados do ano passado, dos quais me arrependo verdadeiramente. Aquele que não se conhece como pecador, não sente sua própria indignidade, certamente deve ter se tornado insensível ou presunçoso. Os pecados de omissão são os que mais me incomodam. Olho para trás e me lembro do que poderia ter feito e não fiz. Quantas oportunidades de uteis não aproveitei, e quantos pecados eu permitir passar sem repreensão. Quantos principiantes na fé que tiveram dificuldades com a graça e eu falhei em ajudá-los. Começando com o protelamento, a frouxidão ao vigiar, seguido do orgulho, estes contaminam nosso melhor serviço — que lista infindável de nossas falhas e faltas faríamos! Oh, amigos! Quando examinamos cuidadosamente um ano de nossas vidas, discernindo os pensamentos, motivos e desejos secretos da alma, quão humildes deveríamos ser! Enquanto eu cavalgava pelas ruas de Menton neste dia, senti-me oprimido por uma sensação de pecado. E de repente veio à minha mente: “Sim, logo, portanto, tenho minha parte e deixo a obra do Senhor Jesus entrar, pois Ele disse expressamente: “Não vim chamar justos, mas pecadores”. Observem que as palavras “ao arrependimento” são omitidas da Versão Revisada da King James[3] (Marcos 2:17).
Por que Jesus morreu? Ele morreu pelos nossos pecados. Ele não precisaria morrer pelos homens se a humanidade não tivesse pecado. Onde não há pecado, não há relação com aquele Salvador que veio para salvar seu povo de seus pecados. Para quem Jesus pleiteia? Ele intercede pelos transgressores. Se não sou um transgressor, não tenho nenhuma garantia de que Ele interceda por mim. Todo o sistema de mediação é para homens pecadores e, se estou consciente da minha culpa, também estou seguro, pela fé, de que estou dentro do círculo da graça de Deus. Minha fé coloca minha mão sobre a cabeça daquele que foi nosso substituto e bode expiatório[4], vejo Nele todos os meus pecados, e também, todos os pecados de todos os crentes que para sempre levados por Aquele que se colocou no lugar do pecador. Que suas lágrimas caiam por causa de seus pecados, mas, ao mesmo tempo, que os olhos da fé contemplem firmemente o Filho do Homem levantado, assim como Moisés levantou a serpente, quem olhar para Ele, vive[5]. A nossa iniquidade é aquele vazio no qual o Senhor derrama sua misericórdia: “Esta é uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar pecadores” 1Timóteo 1:15-17. Nesse fato abençoado eu descanso minha alma. E embora eu tenha pregado Cristo crucificado por mais de quarenta anos e tenha levado muitos aos pés de meu Mestre, nesse momento eu não tenho nenhum raio de esperança exceto aquele que vem do que meu Senhor Jesus fez pelos homens pecadores.
“Veja-o lá! O Cordeiro sangrando!
Minha perfeita e imaculada Justiça,
O grande e imutável “EU SOU”
O Rei da Glória e da Graça.”[6]
Uma inundação de luz irrompe sobre a cena quando olharmos para trás para suas misericórdias! Agora, comece suas contas! Começo já a fazer seus cálculos e a contar, e pense nas grandes e pequenas misericórdias: tanto nas misericórdias passageiras que evitam o mal e aquelas que asseguram o bem. As misericórdias presentes nos lares e aquela presente em lugares distantes. Também encontramos a misericórdia no descanso e na mesa, na cidade e no campo. Ela está presente na sociedade, e também em lugares reclusos. A misericórdia afeta todas as faculdades mentais e preenche todas as partes do corpo.
Deus tem sido especialmente bom para mim. Acho que ouço cada coração sussurrar: “Isso é exatamente o que eu ia dizer”. Queridos amigos, não vou monopolizar a expressão, ela é muito verdadeira para mim, e não duvido que isso também seja uma verdade para cada um de vocês. Podemos imaginar como Deus pode ter sido mais gracioso do que tem sido? Se você está familiarizado com o amor do Senhor, de modo que você habite Nele, e seu Espírito habita em você, você se unirá a mim para proclamar abnegadamente a memória de sua grande bondade. Quão maravilhosa é a sua benignidade! Quão livre! Quanta ternura há! Quanta fidelidade! Quão duradora! Quão infinita! Não, eu não posso nem mesmo tentar fazer um esboço da bondade do Senhor para conosco durante o ano que agora está acabando: Devemos revisar esse registro por nós mesmos. “Quanto devo ao meu Senhor?”, é uma indagação que deve ser respondida pessoalmente por cada um como indivíduo.
Mais uma coisa antes de encerrar: Quais são as lições que nosso gracioso Deus pretende que aprendamos com tudo o que aconteceu durante o ano? Cada um de nós teve sua própria experiência de disciplina e linha de aprendizado. Porém nem todos tiveram da mesma forma. Está escrito: “Todo os seus filhos serão ensinados pelo Senhor” (Isaias 54:13), mas nem todos os filhos estão lendo na mesma página e no mesmo momento.
Não aprendemos a esperar mais de Deus e menos dos homens? Fazer menos resoluções, mas sim cumprir aquelas que foram formadas com sabedoria e fervor? Não enxergamos mais da instabilidade das alegrias terrenas? Acaso, não aprendemos mais detalhadamente sobre a necessidade de usar o tempo presente e a habilidade adquirida? Porventura não estamos agora conscientes de que não somos nem tão bons, nem tão sábios, tão fortes e nem tão constantes quanto pensávamos que éramos? Fomos ensinados a diminui para que Ele seja engrandecido, à maneira de João Batista, que bradou: “Que Ele cresça e que eu diminua” (João 3:30)?. Essas verdades valem a pena serem aprendidas. Não tenho tempo nem disposição para sugerir mais daquelas lições que a prática nos ensina quando nossos corações estão preparados para a instrução de Deus. Deveríamos ter aprendido muito em 365 dias. Assim espero. Permita-me agora apenas mencionar uma dessas verdades que me veio à mente.
Durante o ano último ano, pude ver que há mais amor e unidade entre o povo de Deus do que geralmente se acredita. Não falo de maneira egoísta, mas sim, com gratidão. Eu não tinha ideia de que os cristãos, de todas as igrejas, iriam espontaneamente e importunamente orar pelo prolongamento da minha vida. Sinto-me como um devedor de todo o povo de Deus nesta terra. Cada segmento da igreja parecia competir com todo o resto em enviar palavras de conforto para minha esposa, e apresentar intercessões a Deus em meu nome. Se alguém tivesse profetizado, vinte anos atrás, que um ministro dissidente[7], e muito franco, receberia orações de muitas igrejas anglicanas, como na Abadia de Westminster e na Catedral de São Paulo, eu não teria acreditado. Mas foi assim que aconteceu. Há mais amor no coração dos cristãos do que eles mesmos conhecem. E confundimos nossas divergências de pensamentos com desvio de afeição, de modo que essas estão longe de se tratar da mesma coisa. Nestes dias de críticas inférteis, os crentes de todos os tipos serão levados a uma genuína unidade. De minha parte, acredito que todas as pessoas espirituais já são uma. Quando o Senhor orou para sua igreja fosse uma (João 17), sua oração foi atendida e seu verdadeiro povo ainda neste momento, em espírito e em verdade, é um Nele. Suas diferenças na maneira como adoram são como os sulcos de um campo, e o campo não deixa de ser um por causa das marcas do arado. Entre o racionalismo e a fé existe um abismo imensurável, entretanto onde há fé no Pai Eterno, fé no supremo sacrifício e fé no Espírito Santo, há uma união viva, amorosa e duradoura.
Eu aprendi também que quando a igreja pleiteia com súplicas sinceras, ela deve e será ouvida. Nenhum caso é desesperador quando muitos oram. As doenças mais mortais se abrandam diante do poder da intercessão comunitária. Enquanto eu viver, sou uma personificação visível do fato de que, através da oração da fé, apresentada pela Igreja de Cristo, nada é impossível. Valeu a pena ter ficado muito enfermo para ter aprendido esta verdade e tê-la experimentado em minha própria carne.
Neste pequeno recinto, provavelmente um ou outro pode dizer: “essas não são exatamente as lições que aprendemos neste ano”. Sim, talvez não sejam. Mas se você aprendeu mais de Jesus e de Seu divino amor, que excede todo entendimento, isso já é o suficiente. Sejamos gratos por ter aprendido um pouco mais de Jesus e não se julguem pelas realizações de outras pessoas mais velhas ou mais experientes. Contudo, regozijem-se no Senhor. Bendigam a Deus pela luz das estrelas, e Ele lhes dará a luz do luar. Louve-o pelo luar e Ele lhe concederá a luz do Sol. Agradeça a Ele pela luz do Sol e você ainda chegará àquela cidade onde os moradores não precisam da luz do Sol, pois o Senhor Deus os ilumina para todo o sempre (Apocalipse 21:23). Que este ano se encerre com bênção! Amém.
Sermão 2
Perspectivas Divinas para o Ano Novo
Breve sermão pregado na manhã de sexta-feira,
1º de Janeiro de 1892
Por Charles Haddon Spurgeon
Para um pequeno grupo de amigos e sua esposa Susannah
Que foi sua última pregação em vida, antes de seu falecimento
Em 31 de Janeiro de 1892,
Em Menton, Sul da França, onde estava hospedado.
(e Editada da revista “The Sword of the Trowel” de Fevereiro de 1892),
Atravessando o umbral do ano novo nessa hora, olhamos para adiante e, o que é que vemos? Ainda que pudéssemos conseguir um telescópio que nos permitisse ver o final do ano, teríamos sabedoria para usá-lo? Acho que não. Desconhecemos os eventos que nos esperam: da vida ou a morte, nossa ou de nossos amigos, ou das mudanças de posição, de enfermidade ou a saúde. Que grande misericórdia é que essas coisas estejam ocultas para nós! Se víssemos antecipadamente nossas mais seletas bênçãos, elas perderiam seu frescor e sua doçura, enquanto impacientemente as aguardássemos. A antecipação se tornaria amarga, se converteria em desânimo, e a familiaridade geraria desprezo. Se pudéssemos ver antecipadamente nossas tribulações, nos preocuparíamos por elas muito antes que efetivamente viessem, e nesse desassossego perderíamos o aproveitamento de nossas bênçãos presentes. A grande misericórdia estendeu um véu entre nós e o futuro, e o deixou dependurado lá.
Ainda assim, nem tudo está oculto. Vemos com claridade algumas coisas. Digo: ‘nós’, porém, quero dizer aqueles cujos olhos foram abertos, pois não é qualquer pessoa que pode enxergar no sentido mais verdadeiro. Uma dama disse ao Sr. Turner: ‘Olhei com frequência esse panorama, mas nunca vi o que você incorporou em seu quadro’. O grande artista simplesmente lhe respondeu: ‘Não desejaria poder vê-lo?’ Olhando ao futuro com o olho da fé, os crentes podem ver muitas coisas que estão ocultas para os que não possuem fé. Permitam-me dizer-lhes em algumas palavras o que eu enxergo quando examino para o novo ano.
Vejo uma estrada construída desde este primeiro de Janeiro de 1892 ao primeiro de Janeiro de 1893. Vejo um caminho projetado pelo conhecimento antecipado e a predestinação de Deus. Nada sobre o futuro é deixado ao azar, nem a queda de um pardal, nem a queda de um cabelo são deixados ao fortuito, antes bem, todos os eventos da vida estão arranjados e assinalados. Não só cada volta do caminho está assinalada no mapa divino, como também cada pedra da rota, cada gota do orvalho matutino e toda névoa noturna que cai sobre a erva que cresce junto ao caminho. Não vamos cruzar um deserto sem pisadas; o Senhor ordenou nossa senda em Sua infalível sabedoria e infinito amor. ‘Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor, e deleita-se no seu caminho.” [Salmo 37:23].
Vejo, a seguir, um Guia fornecido, como nosso companheiro ao longo do caminho A ele dizemos de boa vontade: “Guiar-me-ás com o teu conselho” [Salmo 73:24]. Ele espera para ir conosco através de cada segmento do caminho. ‘O Senhor, pois, é aquele que vai adiante de ti; ele será contigo [Deuteronômio 31:8]. Não fomos deixados para que passemos pela vida como se fosse um deserto solitário, um lugar de dragões e corujas, pois Jesus disse: ‘Não os deixarei órfãos; voltarei para vós” [João 14:18].
Ainda que perdêssemos pai e mãe, e os amigos mais queridos, há Alguém que veste nossa natureza, e que nunca se sairá de nosso lado. Alguém semelhante ao Filho do Homem ainda está trilhando os caminhos vitais dos corações crentes, e cada crente verdadeiro sai do deserto apoiando-se sobre o Amado. Sentimos a presença do Senhor Jesus inclusive agora, nessa sala, onde dois ou três estão reunidos em Seu nome; e confio que a experimentaremos ao longo de todos os meses do ano, seja que se trate da estação do canto dos pássaros, ou na estação dos frutos maduros, ou nos escuros meses quando os blocos de gelo congelados parecem feitos de ferro. Nessa Riviera, deveríamos dar-nos conta, sem tanto esforço, da presença de nosso Senhor, porque o campo se parece muito a “tua terra, ó Emanuel” [Isaias 8:8]. Aqui está a terra do azeite de oliva, dos figos e dos ramos de Escol. Junto a esse mar azul, caminhou e escalou por essas colinas rochosas. Porém, seja aqui, ou em qualquer outra parte, esperemos que ELE permaneça conosco, para fazer com que esse ano seja verdadeiramente ‘um ano de nosso Senhor’ [Isaias 61:2].
Junto ao caminho e ao Guia, percebo muito claramente, graças ao olho da fé, a força requerida para a viagem designada. Ao longo de toda a distância do ano, temos que encontrar pousadas onde possamos descansar e tomar refrigério, e logo prosseguir em nosso caminho cantando: “restaura a minh’alma” [Salmo 23:3]. Teremos a fortaleza suficiente, mas nenhuma além, e essa força virá quando seja requerida. Quando os santos imaginam que possuem força sobrando, se convertem em pecadores, e estão aptos a ter seus cabelos cortados pelos filisteus. O Senhor do caminho ministrará aos peregrinos suficientes suprimentos para a viagem, mas Ele pode não achar sensato sobrecarregá-los com fundos supérfluos.
O Deus todo suficiente não lhes falhará com aqueles que confiam Nele. Quando chegarmos ao lugar para carregar o fardo, chegaremos ao lugar para receber a força. Se agradar ao Senhor multiplicar nossos problemas de um para dez, ele aumentará nossa força na mesma proporção. O Senhor ainda diz a cada crente: ‘A tua força seja como os teus dias’ [Deuteronômio 33:25]. Você não sente ter ainda a graça que necessita para morrer: e daí? Você ainda não está morrendo. Enquanto você tem que enfrentar os negócios e o dever da vida, espere em Deus a graça que essas coisas precisam: e quando a vida esteja se esvaindo e seu único pensamento ser sobre desembarcar na costa Eterna, então olhe para Deus, teu Salvador, pela graça da morte no tempo da morte. Podemos esperar uma onda de força divina quando a força humana estiver falhando, e uma concessão de energia contínua conforme a necessidade diária o necessite. Nossas velas serão avivadas no tanto que precisem arder. Nossa presente debilidade não deve tentar-nos a limitar ao Santo de Israel. Há uma hospedaria em cada passo dos Alpes da vida, e uma ponte que cruza cada rio da tribulação que atravessa nosso caminho rumo à Cidade Celestial. Os santos anjos que nos guardam são tão numerosos como os anjos caídos que nos tentam. Nunca teremos uma necessidade para a qual nosso Pai não houvesse previsto nenhum recurso.
Eu vejo, muito claramente, um poder que governa todas as coisas que ocorrem no caminho que trilhamos. Vejo um alambique no qual são transformadas todas as coisas. “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” [Romanos 8:28]. Vejo uma mão que opera maravilhas, que converte para nós às espadas da enfermidade em arados de correção e as lanças da tribulação em ganchos de poda para disciplina. Graças a essa habilidade divina, as coisas amargas se tornam doces e os venenos são convertidos em remédios. “nada vos fará dano algum” [Lucas 10:19], é essa é uma promessa demasiadamente forte para uma fé frágil, mas a plena segurança descobre que ela é verdadeira. Já que Deus é por nós, quem poderia estar contra nós? Que felicidade é ver Jeová mesmo como nosso estandarte, a Deus mesmo conosco como nosso Capitão! Sigamos adiante no Ano Novo, pois “nenhum mal te sucederá” [Salmo 90:10].
Mais uma coisa que é a essência do brilho: esse ano confiamos que veremos Deus glorificado por nós e em nós. Se cumprirmos nosso fim mais importante, alcançaremos nosso prazer mais excelso. É o deleite do coração renovado pensar que Deus pode obter glória de tais criaturas pobres como nós. “Deus é luz” [1 João 1:5]. Não podemos aumentar Seu brilho, mas podemos atuar como refletores que, ainda que não tenham nenhuma luz própria, quando o sol brilha sobre eles refletem seus raios, e os enviam aonde não teriam chegado sem tal reflexo. Quando o Senhor brilha em nós, projetamos essa luz nos lugares escuros e faremos que os que estão submersos na sombra da morte, se alegrem em Jesus nosso Senhor. Esperamos que Deus tenha sido de alguma maneira glorificado em alguns de nós durante o ano passado, porem confiamos que será glorificado por nós muito mais no ano que agora começa. Estaremos contentes de glorificar a Deus ativa ou passivamente. Queremos que seja de tal maneira que quando a história de nossa vida seja escrita, qualquer um que a leia não nos considere como ‘homens que se fizeram a si mesmos, mas sim como obras de Deus, em quem Sua graça foi engrandecida. Os homens não podem ver a argila em nós, mas sim nas mãos do Oleiro. De um disseram: “é um excelente pregador”, mas de outro, falaram: “Nunca notamos como prega, mas sentimos que Deus é grande”. Desejamos que nossa vida inteira seja um sacrifício, um altar de incenso que fumega continuamente com um doce perfume para o Altíssimo. Ó, ser levado ao longo do ano sobre as asas do louvor a Deus: subir de ano em ano, e elevar em cada ascensão um cântico mais excelso e, no entanto, mais humilde para o Deus de nossa vida! A visão de uma vida repleta de louvor jamais acabará, mas continuará ao longo da eternidade. De salmo em salmo e de aleluia a aleluia, subiremos o monte do Senhor até chegar ao Lugar Santíssimo, onde, com rostos velados, nos curvaremos diante da Majestade Divina na bem-aventurança da adoração sem fim. Ao longo desse ano, que o Senhor seja com você. Amém!
ORE PARA QUE O ESPÍRITO SANTO USE ESSES TEXTOS PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.
Título original: BREAKING THE LONG SILENCE – Mr. Spurgeon’s last two Addresses, delivered at Menton, on New Year’s Eve, and New Year’s Morning, 1892
Publicado em LONDRES, Por PASSMORE AND ALABASTER
Inicialmente como artigo na edição de março de 1892 da revista “The Sword of the Trowel” e posteriormente como um livreto individual
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público
Tradução do texto “Retrospectivas Divinas de Fim de Ano” : Bárbara Tomaz
Revisão: Armando Marcos
Tradução e revisão do texto “Perspectivas Divinas para o Ano Novo” : Armando Marcos
Edição e capa: Armando Marcos
1º edição: 31 de dezembro de 2024
NOTAS DO SERMAO 1
[1] FONTES DAS INFORMAÇOES “The Sword of the Trowel” de Março de 1892 e capitulo 19 do livro “Charles Haddon Spurgeon – A Biography” de W.Y.Fullerton.
[2] Não achamos a fonte da liturgia que Spurgeon cita, porém, ao pesquisar em inglês, Spurgeon usou essa ideia em vários textos e sermões, que é uma frase que aparece primeiro em um sermão pregado em 1604 por Lancelot Andrewes [1555-1626] ,um bispo anglicano que foi um dos responsáveis pela supervisão da tradução da King James Version https://anglicanhistory.org/lact/andrewes/v2/passion1604.html . Essa frase também aparece em um comentário do puritano John Trapp [1601-1669] em 1657 https://www.studylight.org/commentaries/eng/jtc/psalms-22.html e também em um comentário do puritano Thomas Brook [1608-1680] de 1675 https://www.gracegems.org/Brooks/golden_key5.htm , dois autores que Spurgeon considerava bastante . O mais provável é que a fonte de Spurgeon seja mesmo Andrewes, pois ele o cita nominalmente no “Tesouro de Davi” no comentário ao salmo 22 https://cleansedbycoal.wordpress.com/2020/03/02/the-unknown-sufferings-of-christ-lancelot-andrewes/ . Muito provavelmente (Nota do Revisor)
[3] A “Revised Version” da King James Bible de 1611 é Foi a primeira e continua a ser a única revisão oficialmente autorizada e reconhecida da versão King James na Grã-Bretanha. Foi autorizada pela Igreja da Inglaterra em 1870 e concluída em 1885. Teve grande impacto, e é considerada o precursora de toda a tradição de tradução moderna. Spurgeon usou essa versão Revisada em alguns sermões. (Fonte: Wikipédia)
[4] Referência tipológica de Cristo com base em Levítico 16 (Nota do Revisor)
[5] Núm. 21:8–9, João 3:14-15
[6] Estrofe do Hino “Before the throne of God above”, escrito pela autora irlandesa Charity Lees Smith (1841-1923), que foi publicado pela primeira vez em 1863, e incluído por Spurgeon em seu próprio hinário “Our Own Hymn-Book” em 1866, para ser cantado à capela, com o título “Jesus intercede por mim”. Esse hino é amplamente conhecido hoje em dia pela letra adaptada e melodia composta pelo ministério americano “Sovereign Grace Music”. FONTE: https://www.hymnologyarchive.com/before-the-throne-of-god-above
[7] Dissidente aqui, se refere aos “Não Conformistas” com a Igreja Estatal da Inglaterra, como os batistas ingleses são definidos, a priori, desde 1688 – Nota do Revisor