Perguntas e Respostas desde a Cruz – Sermão Nº 2562

Perguntas e Respostas desde a CruzNº 2562

Sermão pregado na noite de Domingo de 2 de Novembro de 1856,

Por Charles Haddon Spurgeon

Na Capela de New Park Street, Southwark, Londres.

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“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido?” Salmo 22: 1

 

“E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Mateus 27:46

Contemplamos aqui ao Salvador submerso nas profundezas de Suas agonias e dores. Nenhum outro lugar como o Calvário mostra melhor as angústias de Cristo, e nenhum outro momento do Calvário está tão saturado de agonia como quando esse clamor rasga o ar: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. A debilidade física que lhe sobreveio naquele momento pelo jejum e pelos açoites se somou à aguda tortura mental que experimentou por causa da vergonha e da ignomínia que teve que suportar. Como culminante da dor, sofreu uma agonia espiritual inexprimível devido ao desamparo do qual foi objeto por parte de Seu Pai. Essa foi a negridão e a escuridão de Seu horror. Foi então quando penetrou nas profundezas das cavernas do sofrimento.

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Nessas palavras de nosso Salvador existe algo que tem sempre o propósito de nos beneficiar. A contemplação dos sofrimentos dos homens nos afligem e nos horroriza, mas os sofrimentos de nosso Salvador, ainda que nos movam ao pesar, estão revestidos de algo doce e cheio de consolação. Aqui, inclusive aqui, nesse negro local de dor, enquanto contemplamos a cruz, encontramos nosso céu. Esse espetáculo que poderia ser considerado horroroso, torna ao cristão alegre e feliz. Se bem lamenta a causa, se alegra devido às consequências.

I. Primeiro, em nosso texto, existem TRÊS PERGUNTAS para as quais peço sua atenção.

A primeira é: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” por essas palavras devemos entender que, nesse momento, nosso bendito Senhor e Salvador se encontrava desamparado por Deus de uma maneira que nunca antes havia estado. Ele tinha combatido com o inimigo no deserto e três vezes o venceu e o derrubou em terra. Tinha lutado contra esse inimigo durante toda Sua vida, e inclusive no jardim lutou com ele até sentir que sua alma estava “muito triste”. Não é senão até esse momento que experimenta uma profundidade de dor que não tinha jamais sentido antes. Era necessário que Ele sofresse, no lugar dos pecadores, justo o que os pecadores deveriam ter sofrido. Seria difícil conceber o castigo pelo pecado se prescindisse da face franzida da Deidade. Sempre associamos o crime com a ira, de tal forma que quando Cristo morreu, “o justo pelos injustos, para nos levar a Deus,” quando nosso bendito Salvador se converteu em nosso Substituto, pelo momento se tornou em vítima da justa ira de Seu Pai, já que lhe foram imputados nossos pecados para que Sua justiça pudesse nos ser imputada a nós. Foi necessário que experimentasse a perda do sorriso de Seu Pai, pois os condenados no inferno devem de ter provado essa amargura; e, portanto, o Pai fechou os olhos de Seu amor, pois a mão da justiça diante do sorriso de Seu rosto, e deixou que Seu Filho clamasse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.

Não existe nenhum ser vivente que pudesse explicar o pleno significado dessas palavras; ninguém poderia fazê-lo nem o céu nem a terra, e quase acrescentaria que nem o inferno; não existe ninguém que poderia captar essas palavras em toda a profundeza de sua aflição. Alguns pensam, às vezes, que nós poderíamos clamar: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Existem estações quando o brilho do sorriso de nosso Pai se vê eclipsado pelas nuvens e a escuridão. Porém, temos de lembrar que Deus realmente não nos desampara nunca. Quanto a nós é só um aparente desamparo real. Só Deus sabe quanto nós lamentamos algumas vezes por causa de uma pequena retirada do amor de nosso Pai; mas quando Deus aparta realmente Seu rosto de Seu Filho, quem poderia calcular quão profunda foi a agonia que isso lhe provocou quando clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.

 

Em nosso caso, esse é o clamor da incredulidade; em Seu caso, foi a expressão de um fato, pois Deus tinha se apartado realmente Dele por um tempo. Oh, você, pobre criatura perturbada, que uma vez viveu sob o brilho do sol do rosto de Deus, mas agora está em trevas; anda agora no vale da sombra da morte, ouve ruídos e tem medo; sua alma está sobressaltada dentro de você, e você está sobrecarregado de terror ao pensar que Deus lhe desamparou! Recorde que Ele não te desamparou realmente pois –

“Os montes quando estão envoltos na escuridão,

São tão reais como no dia”

O Deus coberto pelas nuvens é tão Deus nosso como quando Ele brilha com todo o lustre de Sua benevolência, mas posto que só pensamento de que tenha nos desamparado provoca agonia, qual haveria sido então a agonia do Salvador quando clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.

 

A seguinte pergunta é: “Por que te alongas do meu auxílio?”. Deus ajudou a Seu Filho até aqui, mas agora Ele tem que pisar sozinho o lagar e nem sequer Seu próprio Pai pode estar com Ele. Você não sentiu, algumas vezes, que Deus o conduziu a realizar algum dever, mas que, não obstante, aparentemente não lhe deu a força para realizá-lo? Não sentiram nunca essa tristeza de coração que os induz a clamar: “Por que te alongas do meu auxílio?”. Mas se Deus tem o propósito de que realizem algo, vocês podem fazê-lo, pois Ele lhes dará o poder. Talvez seu cérebro vacile, mas Deus ordenou que tem de fazê-lo e vocês o farão. Não sentiram como se tivessem que continuar inclusive quando a cada passo que vocês davam sentiam medo de colocar o outro pé por temor de não ter um firme apoio? Se tiveram qualquer experiência das coisas divinas, tem de ter acontecido isso com vocês. Dificilmente poderíamos adivinhar o que foi que nosso Salvador sentiu quando disse: “Por que te alongas do meu auxílio?”. A Sua obra é uma obra que ninguém senão uma Pessoa Divina poderia realizar, e, no entanto, os olhos de Seu Pai olhavam para outro lado, mas não para Ele! Com algo mais que os trabalhos hercúleos a Sua frente, mas sem que nada do poder do Pai lhe houvesse sido dado, qual não terá sido a tensão que se cingia sobre Ele! Certamente, como disse Hart –

“Suportou tudo o que o Deus encarnado podia suportar,

Com a força suficiente, e nada que poupar”.

A terceira pergunta é: “Por que te alongas das palavras do meu bramido?”. A palavra traduzida aqui como “bramido” quer dizer, no idioma hebreu original, esse profundo e solene gemido que é provocado por alguma séria enfermidade, e que é expresso por homens que sofrem muito. Cristo compara Suas orações com esses gemidos, e se queixa que Deus está tão longe Dele que não lhe ouve.

Amados, muitos de nós podemos nos identificar aqui com Cristo. Quantas vezes lhe temos pedido algum favor a Deus de joelhos, e pensávamos que pedíamos com fé, mas não houve nenhuma resposta! Voltamos a nos colocar de joelhos. Houve algo que deteve a resposta; e com lágrimas em nossos olhos, lutamos de novo com Deus e suplicamos por meio de Jesus, porém os céus pareciam de bronze. Na amargura de nosso espírito clamamos: “é possível que haja um Deus?”. E temos dado a volta dizendo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas das palavras do meu bramido?” Assim tu eres? Desdenhas alguma vez o pecador? Acaso não disseste: “Clames e os abrirá? Estás resistente a ser amável? Reténs Tua promessa?” e quando temos estado a ponto de nos render tendo aparentemente tudo contra nós, acaso não temos gemido, e não temos dito: “Por que te alongas das palavras do meu bramido?” ainda que saibamos algo, não é muito o que podemos entender verdadeiramente a respeito dessas terríveis dores e agonias que nosso bendito Senhor suportou quando fez essas três perguntas: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido?”

II. Em segundo lugar, agora vamos RESPONDER A ESSAS TRÊS PERGUNTAS.

Já respondi antes à primeira pergunta. Parece-me que ouço ao Pai dizer a Cristo: “Meu Filho, te desamparei porque Tu estás em lugar do pecador. Como Tu és santo, justo e verdadeiro, Eu nunca te desampararia a Ti, nunca me apartaria de Ti, pois inclusive como homem, Tu tens sido santo, sincero, sem mancha e apartado dos pecadores; porém sobre Tua cabeça descansa a culpa de cada penitente transferida dele a Ti, e Tu tens que expiá-la com Teu sangue. Devido a que Tu estás no lugar do pecador, não irei olhar-te até que tenhas suportado todo o peso de minha vingança. Então te exaltarei no alto, muito acima de todos os principados e potestades”.

Oh cristão, faça uma pausa aqui e reflita! Cristo foi castigado dessa forma por você! Oh, olhe para esse rosto tão tenso de horror e entenda que esses horrores se juntam ali por você! Talvez, em sua própria estima, você seja o mais indigno da família; certamente, o mais insignificante; porém, a mais trivial ovelha do rebanho de Cristo foi comprada de igual maneira que qualquer outra. Sim, quando essa negra escuridão se condensou em torno da Sua fronte, e quando clamou; “Eloí, Eloí”, nas palavras de nosso texto, pedindo que o Senhor Onipotente o ajudasse; quando gritou esse grito terrivelmente solene, foi porque lhe amava, porque se entregou por você, para que você pudesse ser santificado aqui, e pudesse morar com Ele no mais além. Portanto, Deus o desamparou, primeiro, por ser o Substituo do pecador.

A resposta para a segunda pergunta é: “porque quero que Tu recebas toda a honra para Ti; portanto, não lhe vou ajudar, não vá ser que tenha de compartilhar o motim contigo”. O Senhor Jesus Cristo viveu para glorificar a Seu Pai, e morreu para glorificar-se a Si mesmo na redenção de Seu povo escolhido. Deus disse: “Não, meu Filho, Tu o farás sozinho, pois Tu deves levar sozinho a coroa e em Tua pessoa se encontrarão todos os reais distintivos de Tua soberania. Eu Te darei todo o louvor, e, portanto, Tu cumprirás com todo o trabalho”. Devia pisar sozinho o lagar, e alcançar a vitória e obter unicamente para Si mesmo a glória.

A resposta para a terceira pergunta é essencialmente a mesma que a reposta para a primeira. Ter escutado as orações de Cristo naquele momento teria sido inapropriado. O fato de que o Pai divino não tenha escutado a oração de Seu Filho foi algo de acordo com Sua condição; por ser a Fiança do pecador, Sua oração não devia ser ouvida; como Fiança do pecador, podia dizer; “Agora que estou aqui, morrendo no lugar do pecador, Tu selas Teus ouvidos para que não penetre minha oração”. Deus não escutou a Seu Filho porque sabia que Seu Filho estava morrendo para nos aproximar de Deus, e, portanto, o Filho clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.

III. Para concluir, irei oferecer-lhes UMA PALAVRA DE ADMOESTAÇÃO E DE AFETUOSA ADVERTÊNCIA.

Não comove a alguns de vocês que Jesus tivesse de morrer? Ouvem a história do Calvário, mas, ai, não brotam lágrimas de seus olhos! Não choram nunca por isso. Acaso não é nada a morte de Jesus para vocês? Ai, parece que isso é válido para muitas pessoas. Seus corações jamais bateram em sintonia com Ele. Oh amigos, quantos de vocês podem olhar para Cristo, agonizando e gemendo assim, e dizer: “ele é meu Resgate, meu Redentor”? Poderiam dizer com Cristo: “Deus meu”? Ou acaso Ele é Deus de alguém mais e não de vocês? Oh, se vocês estão sem Cristo, ouçam-me porque irei dizer-lhes uma palavra. É uma palavra de advertência! Recordem que estar sem Cristo é estar sem esperança. Se morrerem sem ser aspergidos por Seu sangue, estão perdidos. E que é estar perdido? Não tentarei explicar-lhes o significado dessa palavra terrível: “perdido”. Alguns de vocês poderiam conhecê-lo antes que o sol saia outra vez no céu. Que Deus nos conceda que não sejam vocês! Desejam saber como podem ser salvos? Escutem. “Porque de tal maneira Deus amou ao mundo, que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” “O que crer e for batizado será salvo”. Ser batizado é ser enterrado na água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Vocês creram em Cristo? Professaram a fé em Cristo: a fé é a graça que confia unicamente em Cristo. Todo aquele que quiser ser salvo, antes de mais nada precisa sentir-se perdido, reconhecer-se um pecador arruinado, e logo precisa crer nisso: “Palavra fiel é digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar aos pecadores”, inclusive ao primeiro deles. Não precisam de nenhum mediador entre vocês e Cristo. Vocês podem vir a Cristo tal como estão: culpados, malvados, pobres e, tal como estão, Cristo os receberá. Não há necessidade de lavar-se de antemão. Não precisam de riquezas. Nele possuem tudo o que vocês requerem e, não obstante, insistem em acrescenta algo ao “tudo”? Não precisam de vestidos, pois Cristo tem uma túnica sem costura que bastará para cobrir com folga inclusive ao maior pecador da terra, e também ao menor.

Então, venham a Jesus imediatamente. Por acaso vocês dizem que não sabem como vir? Venham tal como estão. Não esperem para fazer algo primeiro. O que vocês precisam fazer é deixar de fazer e deixar que Cristo faça tudo por vocês. O que desejariam fazer se Ele já fez tudo? Todo o labor de suas mãos seria incapaz de cumprir o que Deus manda. Cristo morreu pelos pecadores, e vocês tem de dizer: “Seja que me afunde ou nade, não irei ter nenhum outro Salvador exceto Cristo”. Confiem plenamente Nele –

“E quando teu olho da fé perder a intensidade,

Segue confiando em Jesus, seja que nade ou afunde;

Segue inclinando-se humildemente diante Seu escabelo,

Oh pecador! Pecador, Prostre-se agora!”

 

Ele é capaz de perdoar-lhe nesse instante.  Existem algumas pessoas aqui que sabem que são culpados e gemem a consequência disso. Pecador, por que se demora? “Vem, e seja bem vindo!”, é a mensagem de meu Senhor para você. Se vocês sentem que estão perdidos e arruinados, então não existe nenhuma barreira entre o céu e você; Cristo a derrubou. Se vocês conhecem seu próprio estado perdido, Cristo morreu por você; crê e vem! Venha e seja bem vindo, pecador, venha! Oh pecador, venha, vem, vem!

Jesus te pede que venhas e, como Seu embaixador diante de você, eu lhe peço que venha. Como alguém que morreria para salvar suas almas se fosse necessário, como alguém que sabe como gemer por vocês, e chorar por vocês, e que os ama como se ama a si mesmo, eu como Seu ministro, lhes digo, em nome de Deus, e em lugar de Cristo: “Reconciliem-se com Deus”.

O que vocês dizem? Deus lhes deu essa vontade? Então, se alegrem! Regozije, pois não te foi dada a vontade sem dar-lhe o poder de fazer aquilo que te foi dado querer fazer.  Vem! Vem! Se você confia plenamente em Cristo e não tem nenhuma outra coisa que alimente a confiança de sua alma, exceto Jesus, nesse instante pode estar certo do céu como se já estivesse lá. Amém.

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NOTA

Esse foi o primeiro sermão noturno pregado por Spurgeon depois da fatal calamidade ocorrida em Surrey Garden Music Hall, quinze dias antes. Ao começar sua pregação, disse: “As observações que tenho que fazer são muito breves, tomando conta que depois iremos participar da Ceia do Senhor. Não vou fazer nenhuma alusão a recente catástrofe, que foi tema de meus pensamentos cotidianos e de meus sonhos noturnos desde que ocorreu. Contudo, espero usar esse evento em algum período futuro”. Spurgeon fez isso em muitos memoráveis comentários que foram incluídos no volume II de sua autobiografia.

 

ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALVÍFICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE: Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon2562.pdf

Titulo original: Palabras desde la Cruz (CRIES FROM THE CROSS)

Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público e com autorização de Allan Roman.

Sermão nº 2562 — Volume 44 do The Metropolitan Tabernacle Pulpit,

Tradução: Armando Marcos Pinto

Capa: Victor Silva