Uma Santa Obra de Natal – Sermão N° 666

Nº 666

Sermão pregado na manhã de domingo, 24 de dezembro de 1865.

Por Charles Haddon Spurgeon,

No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.

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“E, vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; E todos os que a ouviram maravilharam-se do que os pastores lhes diziam. Mas Maria guardava todas estas coisas, ponderando-as em seu coração. E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes havia sido dito.” (Lucas 2:17-20).

 

Cada estação do ano tem suas próprias frutas: maçãs no outono, bagas de azevinho[1] de Natal. A terra produz segundo o período do ano e tudo o que o homem quer debaixo do céu tem sua hora. Nesta época, o mundo se dedica a congratular-se e a expressar seus bons desejos pelo bem-estar de seus cidadãos. Permitam-me sugerir uma obra complementar e mais sólida para os cristãos. Ao pensar hoje no nascimento do Salvador, devemos aspirar a um nascimento renovado do Salvador em nossos corações. Como Cristo já foi “formado em nós, a esperança da glória,” que possamos ser “renovados no espírito de nossa mente.” Que possamos ir de novo à Belém de nosso nascimento espiritual para realizar nossas primeiras obras, para desfrutar de nossos primeiros amores e para festejar com Jesus como fizemos nos dias santos, felizes e celestiais de nosso noivado. Vamos a Jesus com algo desse frescor juvenil e desse supremo deleite que era tão manifesto em nós quando O vimos pela primeira vez. Temos que coroá-Lo novamente, pois ainda está adornado com o orvalho de Sua juventude, e segue sendo “o mesmo ontem, hoje e eternamente.”

Embora os cidadãos de Durham não habitassem longe da fronteira escocesa — mesmo nos tempos antigos estavam muitas vezes expostos a serem atacados — eram dispensados dos trabalhos de guerra porque havia uma catedral dentro de seus muros e eles estavam destinados ao serviço do bispo, sendo conhecidos nos tempos antigos pelo nome de “os consagrados ao santo serviço.” Agora, nós que somos cidadãos da Nova Jerusalém e temos o Senhor em nosso meio, bem poderíamos nos licenciar das maneiras ordinárias de celebrar estas festas e, nos considerando “consagrados ao santo serviço” deveríamos guardá-las de uma maneira diferente do resto das pessoas, fazendo dela uma santa contemplação ao bendito serviço desse clemente Deus que nos dá o indizível presente do Rei recém- nascido.

Selecionei este texto nesta manhã porque me pareceu indicar quatro maneiras de servir a Deus, quatro métodos de realizar uma obra santa e de exercitar o pensamento cristão. Cada um dos versículos apresenta diante de nós numa maneira diferente de prestar um sagrado serviço. Alguns ficaram sabendo da notícia e contaram para outros aquilo que tinham visto e ouvido; alguns se maravilharam com êxtase e assombro; uma pessoa, ao menos, segundo o terceiro versículo, ponderava, meditava e pensava nessas coisas; e outros, em quarto lugar, glorificaram e louvaram a Deus. Não sei qual desses quatro grupos rendeu um melhor serviço a Deus, mas penso que se pudéssemos combinar todas essas disposições mentais e esses exercícios externos, teríamos a segurança de louvar a Deus de uma maneira extremamente piedosa e aceitável.

I. Para começar, então, em primeiro lugar encontramos que alguns celebraram o nascimento do Salvador DIVULGANDO o que tinham visto e ouvido, verdadeiramente podemos dizer que tinham algo que valia a pena que se repetisse aos ouvidos dos homens. Aquilo que os profetas e os reis esperaram longamente tinha chegado ao fim, e havia chegado a eles. Haviam encontrado a resposta do enigma perpétuo.

Eles podiam correr pelas ruas como o antigo filósofo gritando: “Eureka, eureka!,” pois sua descoberta foi muito superior à dele. Não haviam encontrado nenhuma solução para um problema mecânico ou para um dilema metafísico, mas sua descoberta não foi inferior a nenhuma descoberta de algum valor real jamais feita pelos homens, porque foi como as folhas da árvore da vida para curar as nações e como um rio de água da vida para alegrar a cidade de Deus.

Eles tinham visto uns anjos e os ouviram entoar um cântico completamente novo e insólito. Tinham visto algo mais que anjos: tinham contemplado o Rei dos anjos, o Anjo do Pacto em quem nos deleitamos. Tinham ouvido a música do céu e, quando perto daquela manjedoura, o ouvido de sua fé ouviu a música da esperança da terra — uma harmonia mística que ressoaria ao longo de todas as eras — a doce e solene melodia dos corações se sintonizou para louvar ao Senhor, e a gloriosa onda do santo gozo de Deus e do homem se fundiu em uma alegre harmonia. Tinham visto o Deus encarnado: uma visão que quem contempla sente que sua língua se solta, a menos que um êxtase indescritível o deixasse mudo. Impossível ficarem calados tendo visto esse espetáculo único! Começaram a contar sua inigualável história à primeira pessoa que encontraram fora daquela humilde porta de estábulo, e não descansaram de dar vozes até que caiu a noite, dizendo: “Vão e O adorem! Vão adorar a Cristo, o Rei recém-nascido!”

E quanto a nós, amados, acaso não temos também algo a relatar que demanda sua expressão? Se falamos de Jesus, quem poderá nos condenar? Isto, na verdade, faria se mover a língua do que dorme: o mistério do Deus encarnado por nossa causa que sangra e morre para que nós não fiquemos sem sangue nem morramos; que desce para que possamos subir, e que foi envolto em panos para que possamos ser despojados das vendas da corrupção. Aqui temos essa história que é tão graciosa para todos os ouvintes que quem a repete com maior frequência faz o melhor, e que quem menos a divulga tem o maior motivo para acusar-se de um silêncio pecaminoso.

Eles tinham algo a contar, e esse algo continha a inimitável combinação que é o sinal secreto e a marca régia de autoria divina; um inimitável casamento de sublimidade e simplicidade. Anjos cantando, cantando a uns pastores! O céu resplandecente de glória, brilhando à meia-noite! Deus! Um Bebê! O Infinito! Uma criança de um palmo de altura! O Ancião de Dias! Nascido de mulher! O que poderia ser mais simples que a pousada, a manjedoura, um carpinteiro, a esposa de um carpinteiro e um menino? Que poderia ser mais sublime que uma “multidão do exército celeste” que desperta com suas canções de gozo a noite, e Deus mesmo manifestado em carne humana? Um menino não é mais que um acontecimento comum; mas que maravilha é ver a Palavra que “no princípio estava com Deus, habitando entre nós para que víssemos Sua glória, glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.

Irmão, temos que contar uma história muito simples e muito sublime. O que poderia ser mais simples? “Creiam e vivam.” O que poderia ser mais simples? “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo.” Um sistema de salvação tão maravilhoso que às mentes angélicas não resta senão adorar ao meditar nisso; e, contudo, tão simples que as crianças no templo podem cantar apropriadamente hinos a suas virtudes, quando entoam: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!” Quão esplendida combinação do sublime e do simples temos na grandiosa expiação oferecida pelo Salvador encarnado! Oh, deem a conhecer a todos os homens esta verdade salvadora!

Os pastores não precisaram de nenhuma desculpa para divulgar o anúncio do nascimento do Salvador por toda a parte, pois receberam do céu o que contaram. Suas novas não foram sussurradas a seus ouvidos por oráculos sibilinos nem vieram à tona por uma investigação filosófica; não foram concebidas poeticamente nem foram encontradas como um tesouro descoberto entre os volumes da tradição, mas lhes foram reveladas por aquele notável pregador do Evangelho que dirigiu as hostes angélicas e deu testemunho dizendo: “Hoje nasceu, na cidade de Davi, um Salvador, que é Cristo o Senhor.

Quando o céu confia a um homem uma misericordiosa revelação, esse homem fica obrigado a entregar a outros as boas novas. Como! Guardar em segredo a declaração que a eterna misericórdia fez para embelezar o ar da meia-noite? Com que propósito os anjos foram enviados, se a mensagem não fosse divulgada amplamente? De acordo com o ensino do nosso próprio amado Senhor, não devemos ficar calados, pois Ele assim nos ordena: “o que haveis ouvido em segredo, isso há de se revelar em público; e o que foi falado ao ouvido nos aposentos, proclamar-se-á nas ruas.”

Amados, vocês ouviram uma voz do céu; vocês, que nasceram duas vezes e que foram gerados para uma esperança viva, ouviram o Espírito de Deus dando-lhes testemunho da verdade de Deus e ensinando-lhes acerca das coisas celestiais. Então, vocês hão de guardar este Natal transmitindo a seus semelhantes o que o próprio Espírito Santo de Deus tem considerado apropriado revelar.

Mas embora os pastores revelassem o que ouviram do céu, recordem que também falaram do que tinham visto aqui embaixo. Através da observação, eles se apropriaram firmemente daquelas verdades que lhes foram comunicadas por revelação. Ninguém pode falar das coisas de Deus, com êxito, a menos que a doutrina que encontra no livro a encontre também em seu coração. Temos que reduzir e esclarecer o mistério e conhecer seu poder prático no coração e na consciência, graças ao ensino do Espírito Santo.

Meus irmãos, o Evangelho que pregamos nos é revelado seguramente pelo Senhor, mas também, nossos corações têm provado e comprovado, tem compreendido, tem sentido e tem absorvido sua verdade e seu poder. Se não temos sido capazes de entender sua altura e sua profundidade, sentimos seu poder místico em nosso coração e em nosso espírito. Tem-nos revelado mais claramente o pecado e revelado nosso perdão. Tem eliminado o poder reinante do pecado. Tem-nos dado a Cristo para que reine em nós e o Espírito Santo para que more em nossos corpos como em um templo. Agora temos que falar. Eu não quero exortar a nenhum de vocês a falar de Jesus, se meramente conhece a Palavra segundo se encontra na Bíblia, pois esse ensino careceria do suficiente poder. Porém, me dirijo sinceramente a quem já conhece Sua poderosa influência em seu coração, a quem não só ouviu acerca do bebê, mas que o viu na manjedoura, o tomou em seus próprios braços e o recebeu como tendo nascido para si mesmo, o seu Salvador, ‘Christos,’ o seu ungido, Jesus, o seu Salvador do seu pecado. Amados, poderiam fazer outra coisa que não fosse falar das coisas que viram e ouviram?

Deus tem lhes feito provar e tratar esta boa palavra de vida, e vocês não devem ficar tranquilos nem se atrevam a fazê-lo, mas devem dar a conhecer aos amigos e vizinhos aquilo que tem sentido em seu interior.

Esses pastores eram pessoas desprovidas de instrução. Poder-se-ia garantir que eram incapazes de ler algum livro; não existe nenhuma probabilidade de que nem sequer conhecessem uma só letra. Eram pastores, mas pregavam muito bem, e, meus irmãos, ao contrário do que alguns poderiam pensar, a pregação não deve estar restrita a esses senhores cultos que obtiveram seus títulos em Oxford ou em Cambridge, ou em qualquer instituição de nível superior ou universidade. É verdade que a educação não é necessariamente um impedimento para a graça e poderia ser uma arma muito apropriada em mãos destras, mas a graça de Deus tem sido glorificada frequentemente pela maneira clara e simples com que homens desprovidos de instrução têm entendido e proclamado o Evangelho. Não me importaria pedir ao mundo inteiro que encontre um Mestre em Artes, atualmente vivo, que tenha atraído mais almas a Cristo Jesus do que Richard Weaver. Se todo o colégio episcopal tivesse feito uma décima parte do que esse homem solitário fez para ganhar almas, seria mais do que a maioria de nós reconheceria.

Demos a nosso Deus toda a glória, mas ainda assim não neguemos o fato de que esse pecador salvo recém-saído da mina de carvão, que ainda tem o sotaque do carvoeiro, pela graça de Deus, conta a história da cruz de tal maneira que os mui ‘reverendos padres’ em Deus poderiam sentar-se humildemente a seus pés para aprender a forma de chegar ao coração e derreter uma alma obstinada. É certo que um irmão sem educação não está necessariamente equipado para todo o tipo de trabalho — tem sua própria esfera — mas é muito capaz de contar o que tem visto e ouvido, e me parece que assim é, em certa medida, todo homem. Se viu Jesus e ouviu Sua voz salvadora, se recebeu a verdade como do Senhor, se sentiu Seu tremendo poder como vindo de Deus para você, e se tem experimentado Sua potência sobre seu próprio espírito, vamos, você certamente pode declarar o que Deus tem escrito em seu interior.

Se não pode ir mais além e não pode investigar os mistérios mais profundos, os pontos mais espinhosos, bem, bem, existem alguns que podem fazê-lo e, portanto, não precisa sentir-se incomodado; mas ao menos poderia revelar as verdades primordiais e fundamentais que são, quando muito, as mais importantes. Se você não pode falar no púlpito, se seu rosto fica corado, se sua língua se recusa a cumprir sua função quando está na presença de muitos, existem seus filhos: diante deles você não se envergonha de falar; há um pequeno grupo em torno da lareira na noite de Natal; há uma pequena congregação no trabalho; há uma pequena audiência em algum lugar a quem você poderia falar acerca do amor de Jesus pelos perdidos. Não vá mais além do que sabe; não mergulhe no que não tenha experimentado, pois se o fizer, estará fora de seu nível, e então logo estará hesitando desajeitadamente e contribuindo para que a confusão piore. Deve ir até onde conheça e afirmar que se reconhece como um pecador e reconhece Jesus como o Salvador – de fato um grandioso Salvador – fale sobre esses assuntos, e daí virá boa vontade. Amados, cada um em sua própria posição declare o que tenha ouvido e visto; publiquem isso entre os filhos dos homens.

Mas, foram autorizados? É algo grandioso ser autorizado! Os ministros desautorizados são os mais vergonhosos intrusos! Homens sobem ao púlpito que não foram ordenados e que não figuram na sucessão apostólica. É muito horrível! É muito, muito horrível![2] A mente puseísta[3] é completamente incapaz de medir o tamanho do horror contido na ideia de que um homem desautorizado a pregar e fora da sucessão apostólica se atreva a ensinar o caminho da salvação. Para mim este horror se assemelha muito ao terror de um menino em idade escolar diante do duende que seus próprios medos evocaram. Penso eu que se visse um homem escorregar sobre o gelo até uma tumba fria e pudesse impedi-lo de se afogar, não seria muito horrível o fato de poder salvá-lo, embora, eu não seja um empregado da Real Brigada de Resgate. Imagino que se visse um incêndio e ouvisse uma pobre mulher, que provavelmente morrerá queimada, gritar da janela de um andar superior, se eu aproximasse a escada de incêndio à janela e preservasse sua vida, não seria um assunto tão terrível o fato de eu não pertencer ao corpo de Bombeiros. Não sei se é algo tão chocante que um grupo de valorosos voluntários perseguisse um inimigo fora dos limites de seu próprio condado, embora um exército inteiro de mercenários pudesse estar descuidando desse trabalho em obediência a alguma ordem militar que os incapacitara de prestar seu serviço efetivo. Mas acontece que os pastores e outros como eles estão na sucessão apostólica e estão autorizados pela ordem divina, pois todo homem que ouve o Evangelho está autorizado a divulgá-lo aos demais. Você necessita uma autorização? Aqui tem a autorização, confirmada categoricamente, proveniente da Sagrada Escritura: “O que ouve, diga: Vem,” isto é, cada pessoa que ouve verdadeiramente o Evangelho tem que convidar outros a beberem da água da vida. Esta é toda a autorização que se requer para pregar o Evangelho de acordo com a habilidade de cada um. Nem todos têm a habilidade de pregar a Palavra e nós não gostaríamos de saber que todos pregam na grande congregação, pois se todos fossem bocas, que grande vazio haveria na Igreja. Contudo, cada cristão, à sua maneira, deve pregar as boas-novas. Nosso sábio Deus cuida de que essa liberdade de profetizar não desemboque em um motim, pois Ele não outorga os eficazes dons pastorais e ministeriais a muitos; contudo, cada um tem que ministrar segundo seus dons. Cada qual deve dar a conhecer o nome do Senhor Jesus, embora não seja no púlpito, mas no seu banco na igreja, no seu trabalho, em algum lugar, em qualquer lugar e em todo lugar. Que isto lhes sirva de autorização: “O que ouve, diga: Vem”.

Eu nunca pensaria em pedir uma autorização para gritar “Fogo” se visse que alguma casa está ardendo; nunca sonharia em pedir alguma autorização para realizar meu melhor esforço para resgatar um pobre próximo que perece, nem tenho a intenção de fazê-lo agora! Toda a autorização que necessita qualquer um de vocês não é a autoridade que pudesse emanar de uns prelados decorados com roquetes e alvas, mas a autoridade que provém diretamente da grandiosa Cabeça da Igreja, que dá autorização a todos os que ouvem o Evangelho para que todos ensinem seu próximo, dizendo: “Conhece o Senhor”.

Aqui, queridos irmãos, temos uma maneira de guardar um Natal completamente santo e, em algum sentido, um Natal completamente jubiloso. Imitem esses humildes homens, de quem se diz: “Ao vê-lo, revelaram o que se lhes havia dito acerca do menino”.

II. Apresentemos agora diante de vocês outro modo de guardar o Natal: mediante uma SANTA FASCINAÇÃO, ADMIRAÇÃO e ADORAÇÃO. “E todos os que ouviram maravilharam-se do que os pastores lhes diziam.” Pouco temos que dizer dessas pessoas que ficaram meramente fascinadas, mas que não fizeram nada mais. Muitos são conduzidos a maravilharem-se pelo Evangelho. Contentam-se em ouvi-lo. Agrada-lhes ouvi-lo e, se em si mesmo o Evangelho não é nada novo, existem novas maneiras de expressá-lo, e a eles lhes encanta serem refrescados graças à variedade. A voz do pregador é para essas pessoas como o som de alguém que dá um tom preciso com um instrumento. Para elas encanta escutar-lhe. Não são céticos, não colocam objeções, não identificam dificuldades; simplesmente dizem a si mesmas: “É um excelente evangelho, é um maravilhoso plano de salvação. Aqui temos um amor extremamente assombroso, uma condescendência extremamente extraordinária.” Algumas vezes se surpreendem de que sejam simples pastores quem lhes digam essas coisas; a duras penas podem entender como pessoas ignorantes e sem educação falam dessas coisas e como puderam entrar nas cabeças desses simples pastores; de onde puderam aprendê-las; como é que parecem tão motivados por elas; que tipo de operação eles devem ter experimentado para serem capazes de falar como fazem. Mas depois de levantar suas mãos e de abrir suas bocas durante uns nove dias, a surpresa perde intensidade e seguem seu caminho e já não pensam mais a respeito.

Existem muitos de vocês que são conduzidos a se maravilhar sempre que veem uma obra de Deus em seu distrito. Se ficam sabendo de alguém que se converte depois de ter sido um pecador muito notável, dizem: “Isso é algo muito maravilhoso!” Há um avivamento. Quando acontece de estarem presentes em uma das reuniões em que o Espírito de Deus está trabalhando gloriosamente, então vocês dizem: “Bem, isto é algo singular! É algo muito assombroso!” Até mesmo os jornais reservam um espaço em alguma coluna, algumas vezes, para umas obras muito grandes e extraordinárias do Deus Espírito Santo. Mas aí termina toda a emoção. Tudo é um maravilhar-se e nada mais.

Agora, eu confio que não ocorra o mesmo com nenhum de nós; que não pensemos no Salvador e nas doutrinas do Evangelho que Ele veio para pregar simplesmente com estupefação e assombro, pois isto nos faria muito pouco bem. Por outro lado, há outro modo de se maravilhar que é similar à adoração, se é que não é adoração. Penso que é muito difícil traçar uma linha entre o santo assombro e a adoração real, quando a alma fica sobrecarregada com a majestade da glória de Deus, embora não se expresse em um cântico, ou mesmo quando articula sua voz com a cabeça inclinada em humilde oração, contudo, adora silenciosamente. Eu estou inclinado a pensar que o assombro que algumas vezes se apodera do intelecto humano diante da lembrança da grandeza e da bondade de Deus é, talvez, a forma mais pura de adoração que sobe dos homens mortais ao trono do Altíssimo.

Eu recomendo este tipo de assombro para aqueles entre vocês que devido à tranquilidade e isolamento de suas vidas dificilmente são capazes de imitar os pastores na divulgação da história aos demais. Ao menos podem completar o círculo de adoradores diante do trono maravilhando-se pelo que Deus tem feito.

Permitam-me sugerir-lhes que esse santo assombro ante o que Deus tem feito deveria ser algo muito natural para vocês. Que Deus considere a Sua criatura caída, o homem, e em vez de varrê-lo com a escova da destruição, projete um maravilhoso esquema para sua redenção, e que Ele mesmo assuma ser o Redentor do homem e pagar o preço de seu resgate, é, na verdade, maravilhoso! Provavelmente lhes seja mais maravilhoso, no que se refere a vocês, que vocês sejam redimidos pelo sangue: que Deus abandone os tronos e as régias coisas no alto para sofrer ignominiosamente aqui embaixo por vocês. Caso conhecessem a si mesmos, não poderiam ver nunca em sua carne nenhuma razão ou motivo adequados para um ato semelhante. “Por que tanto amor por mim?”, dirão. Se Davi, sentado em sua casa, somente podia dizer: “Quem sou eu, e que é minha casa, para que tu me tenhas trazido até aqui”, que diríamos você e eu? Se fôssemos os indivíduos mais merecedores e tivéssemos guardado incessantemente os mandamentos do Senhor, não teríamos podido merecer uma bênção tão inestimável como a encarnação; mas como pecadores, como ofensores que se rebelaram e se apartaram mais e mais longe de Deus, que diremos deste Deus encarnado que morreu por nós, senão: “nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou.”?

Deixem que sua alma se perca no assombro, pois o assombro, queridos amigos, é neste sentido, uma emoção muito prática. O santo assombro os conduzirá a uma adoração agradecida; ficando atônitos pelo que Deus tem feito, derramarão suas almas com assombro ao pé do trono de ouro com o cântico: “Ao que está assentado no trono, e ao Cordeiro, que faz estas grandes coisas por mim, seja a louvor, a honra, a glória, o poder, a majestade e o domínio.” Estando pleno desse assombro você será conduzido a uma santa vigilância; terá medo de pecar contra um amor como esse. Sentindo a presença do poderoso Deus no dom de Seu amado Filho, tirará o calçado de seus pés, porque o lugar em que está terra santa é. Será conduzido ao mesmo tempo a uma gloriosa esperança. Se Jesus se entregou por você, se Ele tem feito esta obra maravilhosa por você, sentirá que o céu mesmo não é demasiado grande para sua expectativa, e que os rios de prazer à direita de Deus não são demasiado doces nem demasiado profundos para que beba deles. Quem poderia assombrar-se de algo mais tendo ficado maravilhado uma vez na manjedoura e na cruz? Que pode ser maravilhoso para alguém depois de ter visto o Salvador? As sete maravilhas do mundo! Vamos, poderia pô-las todas em uma casca de noz: as máquinas e a arte moderna podem superar a todas elas; mas esta maravilha especial não é só a maravilha da terra, mas do céu e da terra e inclusive do próprio inferno. Não é a maravilha da antiguidade, mas a maravilha de todos os tempos e a maravilha da eternidade.

Quem vê as maravilhas humanas muitas vezes, ao final já não fica assombrado; a mais nobre construção que um arquiteto tenha levantado, por fim deixa de impressionar o espectador; mas não acontece assim com esse maravilhoso templo de Deus encarnado; quanto mais o contemplamos, mais nos assombramos; quanto mais nos acostumamos a ele, mais temos uma ideia de seu esplendor incomparável de amor e de graça. Digamos que se pode ver mais coisas acerca de Deus na manjedoura e na cruz do que nas reluzentes estrelas no alto, no ondulante abismo embaixo, na alta montanha, nos férteis vales, nas moradas da vida ou no abismo da morte. Passemos então algumas horas escolhidas desta época festiva submersos em santo assombro que produza gratidão, adoração, amor e confiança.

III. No versículo seguinte, encontrarão uma terceira forma de trabalho santo, isto é, SEU SAGRADO CORAÇÃO PONDERANDO E PRESERVANDO.

Ao menos uma pessoa — e esperamos que tivessem outras, ou de qualquer forma, sejamos nós mesmos esses outros — uma pessoa guardava todas essas coisas e as ponderava em seu coração. Maravilhava-se, porém, fez algo mais: ponderava. Observarão que há um exercício da parte dessa bem-aventurada mulher nos três grandes componentes de seu ser; na sua memória: ela guardava todas essas coisas; nos seus afetos: ela as guardava em seu coração; em seu intelecto: ela as ponderava, considerava-as, pesava-as e as analisava de tal forma que a memória, o afeto e o entendimento eram exercitados acerca dessas coisas. Deleita-nos ver isso em Maria, mas não nos surpreende, quando recordamos que ela era a mais interessada de todos na terra, pois Jesus Cristo nasceu dela. Os que mais se aproximam de Jesus e, mais intimamente convivem com Ele, serão com certeza os que estão mais absorvidos Nele.

Certas pessoas são mais estimadas a distância, mas não o Salvador; quando O conhecerem plenamente, então o amarão com o amor que excede todo entendimento; compreenderão as alturas e as profundidades, as larguras e os comprimentos de Seu amor; e quando vocês fizerem isso, então seu próprio amor se encherá além de toda largura e comprimento, de toda altura e profundidade. O nascimento, principalmente, referia-se a Maria, portanto, era ela quem estava mais impressionada com ele. Notem a maneira como foi mostrado seu interesse; ela era uma mulher, e a graça que mais brilha na mulher não é a intrepidez, pois essa pertence à mente masculina. Porém, a modéstia afetuosa é uma beleza feminina, e por isso não lemos que ela tenha dado a conhecer tanto quanto que ponderara em seu interior. Sem dúvida tinha seu círculo e suas palavras para falar Nele; mas ela ficava principalmente em sua casa, como a outra Maria. Ela trabalhava, mas sua obra era diretamente para Ele, o gozo e deleite de seu coração. Como os demais meninos, o santo menino necessitava de cuidados que somente a mão e o coração de uma mãe podem dar; ela estava, portanto, dedicada a Ele. Oh, bendita dedicação! Doce compromisso! Não considerem como inaceitável o serviço que se ocupa melhor de Jesus que de Seus discípulos ou de Suas ovelhas desgarradas. Aquela mulher que quebrou o vaso de alabastro e derramou o perfume sobre o próprio Jesus foi criticada por Judas, e mesmo os outros discípulos pensaram que os pobres tinham perdido um benefício, mas “ela fez para mim uma boa obra” foi a resposta do Salvador.

Eu desejo levá-los a este pensamento: que se durante esta época, vocês que são calados e retraídos não podem falar a outros, ou não contam com uma oportunidade desejável ou com um dom apropriado para esse trabalho, poderiam sentar-se com Jesus e honrá-lo em paz. Maria carregou o Senhor em seus braços; oh, que vocês possam carregá-Lo nos seus! Ela realizou trabalhos diretamente para Sua pessoa. Imitem-na. Vocês podem amá-Lo, bendizê-Lo, louvá-Lo, estudá-Lo, refletir sobre Ele, compreender Seu caráter, estudar os tipos que O anunciavam e imitar Sua vida, e desta maneira, embora sua adoração não se sobressaia entre os filhos dos homens e dificilmente os beneficie, diferentemente de algumas outras formas de trabalho, contudo, beneficiará a vocês mesmos e será aceitável para seu Senhor.

Amados, recordem o que ouviram de Cristo e o que Ele tem feito por vocês; façam de seu coração uma taça de ouro que contenha as ricas lembranças de sua anterior misericórdia; convertam-no em uma urna de maná que preserve o pão celestial do qual se alimentaram os santos dos tempos antigos. Sua memória deve entesourar tudo o que vocês têm ouvido ou sentido ou conhecido acerca de Cristo, e logo seus cálidos afetos devem ir perenemente a Ele. Amem-No! Derramem esse vaso de alabastro de seu coração e façam que flua sobre Seus pés todo o precioso perfume de seu afeto. Se não puderem fazê-lo com gozo, façam dolorosamente, lavem Seus pés com lágrimas e enxuguem com os cabelos da sua cabeça; mas amem-No, amem o bendito Filho de Deus, o seu sempre terno Amigo. Seu intelecto deve ser exercitado a respeito do Senhor Jesus. Por meio da meditação, voltem uma e outra vez ao que leem. Não sejam homens que ficam na letra: não se detenham na superfície; submerjam às profundezas. Não sejam como a andorinha que roça a torrente com sua asa, mas como o peixe que penetra na profundidade da onda. Deem profundos tragos de amor; não sorvam e pronto, mas morem junto ao poço como Isaac morava junto ao poço do Deus-vivo-que-me-vê (Lacai-roi). Permaneçam com seu Senhor; não deixem que Ele seja para vocês como um andarilho que fica só por uma noite, mas roguem-Lhe dizendo: “Fica conosco, porque o dia já declinou.” Retenham-No e não deixem que se vá. Como sabem, a palavra “ponderar” quer dizer pesar. Empreguem a balança do juízo. Oh, mas, onde está a balança que poderia pesar o Senhor Cristo? “Eis aqui que Ele levanta as ilhas como um grão de pó”; quem levantará a Ele? “Pesa os montes com balança.” Que assim seja; se seu entendimento não pode compreendê-Lo, seus afetos devem percebê-lo; e se seu espírito não pode abarcar o Senhor Jesus com os braços de seu entendimento, que o abrace com os braços de seu afeto. Oh, amados, aqui existe uma bendita obra de Natal para vocês, se, como Maria, guardarem todas essas coisas em seus corações e ponderarem sobre elas.

IV. Agora é a vez do último tipo entre as santas obras natalinas. “E voltaram os pastores” — lemos no versículo vinte — “GLORIFICANDO e LOUVANDO a DEUS por todas as coisas que tinham ouvido e visto, como se lhes havia dito.” A que voltaram? Voltaram novamente à sua ocupação de cuidar dos cordeiros e das ovelhas. Então, se desejamos glorificar a Deus, não necessitamos renunciar à nossa ocupação. Algumas pessoas têm a ideia de que a única maneira em que podem viver para Deus é tornando-se ministros, missionários, ou assistentes sociais cristãos ou vendedoras de Bíblias[4]. Ai! Quantos de nós ficaríamos fora de qualquer oportunidade de engrandecer o Altíssimo se esse fosse o caso. Os pastores voltaram às baias de suas ovelhas glorificando e louvando a Deus.

Amados, o importante não é o ofício que desempenham, mas a dedicação que empenham; não é a posição, mas a graça que nos capacita para glorificar a Deus. Deus será glorificado com toda certeza nesse local de trabalho do sapateiro onde o piedoso trabalhador canta sobre o amor do Salvador enquanto segura seu furador, sim, e é glorificado muito mais que em muitos postos de benevolência onde a religiosidade oficial cumpre com seus escassos deveres. O nome de Jesus é glorificado tanto por aquele carroceiro quando arreia seu cavalo e bendiz a seu Deus ou quando fala com seu colega de trabalho no caminho, como por aquele teólogo que por todo o país, como Boanerges, retumba com a pregação do Evangelho. Deus é glorificado quando permanecemos em nossa vocação. Tenham cuidado de não se desviarem do caminho do dever, abandonando seu chamado, e tenham cuidado de não desonrar sua profissão de fé enquanto estão nela; não tenham uma alta opinião de si mesmos, mas não considerem pouca coisa seus chamados. Não existe nenhum ofício que o Evangelho não santifique. Se procurarem na Bíblia, encontrarão que as mais insignificantes formas de trabalho estiveram, de uma maneira ou outra, conectadas com os mais atrevidos atos de fé, ou com pessoas cujas vidas foram de outra maneira ilustres. Sê fiel a teu chamado, irmão, sê fiel a teu chamado! Não importa o que Deus tenha feito de ti; se Ele te chama, permanece fazendo isso, a menos que estejas muito seguro, olha, a menos que estejas muito seguro de que Ele te chama a outra coisa. Os pastores glorificaram a Deus, apesar de voltarem à sua ocupação.

Eles glorificaram a Deus apesar de serem pastores. Tal como comentamos, eles não eram homens instruídos. Muito longe de ter uma sortida biblioteca cheia de livros, é provável que não pudessem ler nem uma só palavra; contudo, glorificaram a Deus. Isto elimina toda desculpa para vocês, boas pessoas, que dizem: “eu não tenho nenhum grau escolar; nunca recebi nenhuma educação, nunca assisti nem sequer à escola dominical.” Ah, mas se você tem um coração reto, pode glorificar a Deus. Não se preocupe, Sara, não esteja abatida porque sabe muito pouco; aprenda mais se puder, mas faça bom uso do que já conhece. Não se preocupe, João; é verdadeiramente uma pena que tivesse que começar a trabalhar muito cedo na vida, o que o impediu de adquirir sequer os rudimentos do conhecimento; mas não pense que não pode glorificar a Deus. Se quiser louvar a Deus, viva uma vida santa; você pode fazer isso por Sua graça, de todas as maneiras, sem educação acadêmica. Se quiser fazer o bem aos demais, seja bom, você mesmo, e esse é um caminho que está aberto de igual maneira ao mais iletrado como ao mais ilustrado. Tenha bom ânimo! Os pastores glorificaram a Deus e você também pode fazê-lo.

Recorde que há algo em que eles tiveram preferência sobre os sábios. Os sábios precisaram que os guiasse uma estrela; os pastores não. Os sábios se extraviaram apesar da estrela; se encontraram de repente em Jerusalém, mas os pastores foram diretamente a Belém. As mentes simples encontram algumas vezes um Cristo glorificado ali onde as cabeças instruídas, muito desnorteadas com sua tradição, não O encontram. Um bom doutor costumava dizer: “Aqui está, estes simplórios entraram no reino, enquanto que nós, homens cultos, buscamos tateando a maçaneta da porta.” Assim acontece frequentemente; portanto, pessoas de mentes simples, consolem-se e alegrem-se.

Vale a pena notar a maneira com que esses pastores honraram a Deus. Honraram-No louvando. Pensemos mais no sagrado cântico do que o fazemos algumas vezes. Quando o cântico explode em pleno coro proveniente de milhares de pessoas nesta casa, não é senão somente um ruído para os ouvidos de alguns homens; mas enquanto que muitos verdadeiros corações, tocados com o amor de Jesus, estão cantando em uníssono com suas línguas, não é um mero ruído na estimativa de Deus, mas contém uma doce música que alegra Seu ouvido. Qual é o grande propósito último de todo esforço cristão? Quando estive pregando aqui o Evangelho na outra manhã, minha mente estava plenamente focada em ganhar almas, mas enquanto pregava parecia ir mais além. Pensei: “bem, esse não é o principal objetivo depois de tudo: o principal objetivo é glorificar a Deus, e ainda mesmo, uma mente reta busca a salvação dos pecadores como um meio para o fim de glorificar a Deus”. De repente me veio ao pensamento: “Se ao cantar salmos e ao cantar hinos realmente glorificamos a Deus, estamos fazendo muito mais que na pregação, pois então não ficamos nos meios, mas estamos muito perto do próprio fim.” Se louvamos a Deus com o coração e com a língua, glorificamos a Ele da maneira mais segura possível, pois então realmente O estamos glorificando. “O que sacrifica louvores me honrará,” disse o Senhor. Cantem então, meus irmãos! Não cantem somente quando estiverem reunidos, mas cantem estando sozinhos. Alegrem seu trabalho com salmos, hinos e cânticos espirituais. Façam a sua família feliz com música sagrada. Estou certo de que nós cantamos muito pouco e, sem dúvida, o avivamento da religião tem acompanhado sempre o avivamento da salmodia cristã. As traduções dos salmos que fez Lutero foram de tanto serviço como suas discussões e controvérsias; os hinos de Charles Wesley, de Cennick, de Toplady, de Newton e de Cowper ajudaram tanto no avivamento da vida espiritual na Inglaterra como a pregação de John Wesley e George Whitefield.

Necessitamos cantar mais. Cantem mais e murmurem menos, cantem mais e caluniem menos, cantem mais e critiquem menos, cantem mais e lamentem menos. Que Deus nos conceda hoje que glorifiquemos a Ele, como o fizeram aqueles pastores, louvando-O.

Eu ainda não concluí com os pastores. Qual era o tema de seu louvor? Parece que eles louvaram a Deus pelo que tinham ouvido. Se pensarmos a respeito, há uma boa razão para bendizer a Deus cada vez que ouvimos um sermão evangélico. Que dariam as almas no inferno se pudessem ouvir o Evangelho uma vez mais, e pudessem estar em condições em que a graça da salvação lhes fosse acessível? Que dariam os moribundos, cujo tempo praticamente se acabou, se pudessem vir uma vez mais à casa de Deus para receber outra advertência e outro convite?

Meus irmãos, que fariam vocês algumas vezes quando estão confinados pela enfermidade e não podem se reunir com a grande congregação, quando sua carne e seu coração clamam pelo Deus vivo? Bem, louvem a Deus pelo que têm ouvido. Têm ouvido as falhas do pregador. Que ele se lamente por elas. Têm ouvido a mensagem de seu Senhor. Bendizem a Deus por isso? Dificilmente ouvirão algum sermão que não os conduza a cantar se vocês têm uma mente reta. George Herbert disse: “A oração é o fim da pregação.” E assim é, mas o louvor é também seu fim. Louvem a Deus porque ouvem que há um Salvador! Louvem a Deus porque ouvem que o plano de salvação é muito simples! Louvem a Deus porque têm um Salvador para sua própria alma! Louvem a Deus porque foram perdoados, porque foram salvos!

Louvem-No pelo que ouviram, mas observem que eles louvaram também a Deus pelo que tinham visto. Vejam o versículo vinte: “ouvido e visto.” Ali está a música mais doce: no que temos experimentado, no que temos sentido em nosso interior, do que nos temos apropriado e nas coisas que temos feito tocantes ao Rei. O simples ouvir pode gerar alguma música, mas a alma da canção deve proceder do enxergar com o olho da fé. E, queridos amigos, vocês que viram com essa visão dada por Deus, rogo-lhes que suas línguas não fiquem sumidas em um silêncio pecaminoso, mas que sejam sonoras para louvar a graça soberana. Que se ouçam seus louvores. Despertem o saltério e a harpa.

Um ponto pelo qual louvaram a Deus foi a coincidência entre o que tinham ouvido e o que tinham visto. Observem a última frase. “Como lhes havia dito.” Acaso não perceberam que o Evangelho tem sido em vocês exatamente o que a Bíblia disse que seria? Jesus disse que lhes daria graça; acaso não a receberam? Ele lhes prometeu repouso, acaso não o receberam? Ele disse que teriam gozo, consolo e vida por crerem Nele, e não receberam todas essas coisas? Não são Seus caminhos, caminhos deleitosos, e Suas veredas, veredas de paz? Certamente podem dizer com a rainha de Sabá: “Nem mesmo a metade me foi dita.” Eu encontrei que Cristo é mais doce do que Seus servos me disseram que era. Eu vi a semelhança conforme O pintavam para mim, mas não foi senão uma simples pincelada comparado com Ele mesmo: o Rei em sua formosura. Eu ouvi sobre a terra boa, mas, oh, flui com leite e mel mais ricamente e mais docemente do que os homens foram capazes de descrever quando estavam em sua melhor condição para falar! Certamente, o que temos visto anda de mãos dadas com o que temos ouvido. Glorifiquemos e louvemos a Deus, então, pelo que tem feito.

Esta palavra é dirigida, ainda, àqueles que não são convertidos, então, terei concluído. Não penso que possam começar no versículo dezessete, mas desejo que comecem no dezoito. Vocês não podem começar no versículo dezessete. Não poderiam comunicar a outros o que não sentiram. Não tentem. Nem podem ensinar na escola dominical, nem tentar pregar se não são convertidos.

Ao mal, disse Deus: “Que tens tu que falar de minhas leis?” Mas agradaria a Deus que começassem com o versículo dezoito, maravilhando-se! Maravilhando-se de que se lhes tenha perdoado a vida, maravilhando-se de estarem fora do inferno, maravilhando-se de que Seu bom Espírito contenda com o primeiro dos pecadores. Maravilhem-se de que esta manhã o Evangelho tenha uma palavra para vocês, depois de todas as vezes que o rejeitaram e de todos seus pecados contra Deus. Gostaria que começassem ali, porque então eu teria uma boa esperança de que vão seguir adiante, ao seguinte versículo, e vão mudar de verbo, e assim vão passar de maravilhar-se a ponderar.

Oh, pecador, eu desejaria que ponderasse sobre as doutrinas da cruz. Pense em seu pecado, na ira de Deus, no juízo, no inferno, no sangue de seu Salvador, no amor de Deus, no perdão, na aceitação, no céu; pense em todas essas coisas. Passe de maravilhar-se a ponderar.

E logo, agradará a Deus que possa progredir ao seguinte versículo, de ponderar a glorificar. Tome a Cristo, olhe para Ele e confie Nele. Então cante: “sou perdoado” e prossiga seu caminho sendo um pecador crente, e, portanto, um pecador salvo, lavado no sangue e limpo. Regresse depois disso ao versículo dezessete e comece a torná-Lo conhecido aos demais.

Mas quanto a vocês, cristãos que são salvos, quero que comecem esta mesma tarde no versículo dezessete —

“Então, vou contar aos pecadores ao redor

Quão amado Salvador encontrei:

Vou mostrar o Teu sangue redentor,

e vou a dizer: ‘“Eis aqui o caminho para Deus!”’

 

Então, quando o dia terminar, subam aos seus aposentos e maravilhem-se, e admirem e adorem; passem também meia hora como Maria, ponderando e entesourando em seus corações a obra do dia e o que ouviram no dia, e em seguida fechem tudo com o que não há de concluir nunca: prossigam esta noite, amanhã e todos os dias de suas vidas glorificando e louvando a Deus por todas as coisas que viram e ouviram. Que o Senhor os abençoe por Jesus Cristo nosso Senhor. Amem.

 

Trecho da Escritura lida antes do sermão — Lucas 2:1-20.

 

ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALFÍVICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE:

Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon666.html

Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público e com autorização de Allan Roman.

Sermão nº 666 — Volume 11 do The Tabernacle Metropolitan Pulpit,

 

Tradução e Revisão: Cibele Cardozo

Revisão Ortográfica: Marcus Paolo Diel Rios

Prova: Armando Marcos

Capa: Victor Silva

 


[1] Azevinho: árvore de folhas brilhantes, com espinhos nas bordas e pequenos frutos em forma de bolinhas roxas. São usados nas decorações de Natal.

[2] Spurgeon aqui está realmente zombando da posição defendida pelo Puseístas

[3] Puseísta: palavra que tem sua origem no doutor E. B. Pusey, líder tractariano, com fortes inclinações a imitar a Igreja de Roma em seu ritualismo e em outras práticas católicas externas, tais como o batismo infantil. O pastor Spurgeon usa frequentemente ‘Pusey’ e ‘puseísmo’ para descrever essas tendências.

[4] Bible Women: (mulheres da Bíblia), era uma organização, fundada por Ellen Ranyard, que recrutava mulheres provenientes de distritos pobres de Londres, as treinava durante um período de três meses para que vendessem Bíblias e dessem conselhos domésticos às esposas e às mães da área