A Morte de Cristo Por Seu Povo – Sermão Nº 2656

10327092_532869040155895_1623794204_nNº 2656

Um Sermão pregado na noite de um Domingo do inverno de 1857,

Por Charles Haddon Spurgeon

Na Capela de New Park Street, Southwark, Londres.

E lido no Domingo, 7 de janeiro de 1900.

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“Ele deu a sua vida por nós”. 1 João 3:16

Crente, eu lhe convido a contemplar essa sublime verdade, assim proclamada para você em simples monossílabas: “ele deu a sua vida por nós”. Não existe nem uma só palavra extensa nessa frase; tudo nela é muito simples, e é simples porque é sublime. A sublimidade no pensamento exige sempre, para sua devida expressão, a simplicidade com as palavras. Os pequenos pensamentos precisam ser expressos com grandes palavras, e os pequenos pregadores precisam de palavras em latim para transmitir suas fracas ideias, mas os grandes pensamentos e seus grandes expositores se contentam com pequenas palavras.

“Ele deu a sua vida por nós”. Nessa frase não existe muito que poderia ser usado para exibir a eloquência de alguém; existe pouco espaço nela para discussão metafísica ou para o pensamento profundo; o texto nos apresenta uma doutrina simples, mas sublime. Então, o que devo fazer com ele? Se eu pregasse a mim mesmo proveitosamente a respeito desse texto, não teria que empregar minha sagacidade para examiná-lo determinadamente, nem usar minha oratória para proclamá-lo; mas somente precisaria render-lhe culto praticando minha adoração. Permitam-me prostrar-me então com todos os meus poderes diante do trono e, como um anjo que completou sua missão e que já não tem que voar para nenhum outro lado para cumprir as ordens de seu Senhor, permitam-me bater as asas da minha contemplação e comparecer perante o trono dessa grandiosa verdade e inclinar-me mansamente para adorar Aquele que era, que é, e que há de vir: o grandioso e glorioso Ser que “deu a sua vida por nós”.

Ao começar meu discurso, seria bom que eu lhes recordasse que não podemos entender a morte de Cristo a menos que compreendamos a pessoa de Cristo. Se eu lhes dissesse que Deus morreu por nós, ainda que estivesse dizendo uma verdade e vocês até mesmo não mal interpretassem o que eu quis lhes dizer, eu estaria ao mesmo tempo expressando um erro. Deus não pode morrer, e em razão de Sua própria natureza é impossível que pudesse deixar de existir sequer por um instante. Deus é incapaz de sofrer. É verdade que às vezes usamos algumas palavras que indicam que Deus experimenta emoções; mas, nesse caso, falamos como humanos. Ele é impassível; Ele não pode sofrer; não é possível que sofra nada; então, é muito menos possível que sofra a morte. Não obstante, no versículo do qual nosso texto está tomado, é-nos dito: “Conhecemos o amor (de Deus) nisto”[1]. Podem notar aqui que as palavras “de Deus” foram introduzidas pelos tradutores. Elas estão em cursivas porque não estão no original. Uma melhor tradução seria “E nisso temos conhecido o amor”. Quando lemos “de Deus”, isso poderia induzir aos ignorantes a imaginar que Deus pudesse morrer, mas não é assim. Devemos sempre entender e lembrar que nosso Senhor Jesus Cristo era “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”, e que, como Deus, tinha todos os atributos do Altíssimo, e não podia, portanto, ser capaz de sofrer ou de morrer. Porém, por outro lado, Ele era homem também, “homem nascido de mulher”, homem, tal como nós mesmos, com a única exceção do pecado. E o Senhor Jesus não morreu como Deus. Foi como homem que expirou. Como homem foi cravado na cruz. Como Deus, estava no céu até mesmo quando Seu corpo se encontrava na tumba. Como Deus, brandia o cetro de todos os mundos ainda quando o burlesco cetro de cana estava em Sua mão. A túnica imperial da monarquia universal estava sobre os ombros eternos de Sua Divindade ainda quando o velho manto púrpuro do soldado cobria Sua condição humana. Ele não cessou de ser Deus. Ele não perdeu Sua Onipotência nem Seu eterno domínio quando se fez homem. Como Deus não sofreu nem morreu. Foi como homem que “deu sua vida por nós”.

Vem agora, alma minha, e adore a esse homem, a esse Deus. Vem crente, e contemple seu Salvador, entre no círculo de toda santidade, no círculo que contêm a cruz de Cristo, e sente aí, e ao mesmo tempo em que adora, aprenda três lições do fato de que Ele “deu sua vida por nós”. A primeira lição deve ser: Ele deu sua vida por nós? Ah, então, meus irmãos, que grandes nossos pecados deveriam ser, já que eles não podiam ser expiados por nenhum outro preço! Em segundo lugar, Ele deu Sua vida por nós? Então, amados, que grande deve ter sido Seu amor! Nada o deteria até não entregar até mesmo a própria vida. Em terceiro lugar, Ele deu sua vida por nós? Então, alma minha, tenha bom ânimo; como você está segura! Se uma expiação de tal natureza foi oferecida, se tal satisfação foi dada ao Deus Todo Poderoso, quão segura a alma deve estar! Quem poderia destruir quem foi comprado com o sangue de tal Redentor?

I. Bem, então, permitam-me meditar com convicção sobre a primeira triste realidade. Cristo deu sua vida por mim? Então, QUE GRAVES DEVEM TER SIDO MEUS PECADOS!

Ah, meus irmãos, irei falar um pouco sobre minha própria experiência, e ao fazê-lo estarei descrevendo também sua experiência. Eu vi meus pecados de muitas maneiras diferentes. Uma vez eu os vi contra a luz cegante do Sinai e, ó, meu espírito se contraiu em meu interior, pois se viam meus pecados muitíssimo negros. Quando o som da buzina cresceu em intensidade e se fez prolongado, e o raio e o fogo flamejaram em meu coração, vi um verdadeiro inferno de iniquidade no interior de minha alma, e eu estive a ponto de maldizer o dia que nasci, por ter um coração assim, tão ruim e enganoso. Pensei então que tinha visto a suprema negrura de meu pecado. Ai, mas não tinha visto o suficiente de meu pecado para fazer-me aborrecê-lo a ponto de abandoná-lo, pois essa convicção passou! O Sinai não foi senão um vulcão que foi despertado e silenciado; e depois comecei a jogar de novo com o pecado e amá-lo da mesma forma de sempre.

Contemplei em outro dia outro espetáculo; vi meus pecados à luz do céu. Olhei para o alto e considerei os céus, a obra dos dedos de Deus; percebi a pureza do caráter de Deus escrita nos raios do sol, e vi Sua santidade esculpida no amplo mundo e também revelada na Escritura, e ao momento de comparar-me com Ele, pensei que via quão negro eu era. Ó Deus! Até não ver a glória de Teu caráter nunca conheci a atrocidade de minha própria culpa; porém, agora que vejo o resplendor de Tua santidade, minha alma toda está abatida diante do pensamento de minha pecaminosidade e de minha grande separação do Deus vivente; então, pensei que tinha visto o suficiente. Ah, eu tinha visto o suficiente para conduzir-me a adorar por um instante, mas minha alegria foi como a nuvem da manhã e o orvalho matutino, e eu prossegui meu caminho, e esqueci que classe de homem eu era. Quando eu perdi o sentido da majestade de Deus, perdi também a consciência de minha própria culpa.

Logo me veio outra visão, e contemplei a misericórdia de Deus para comigo; vi como fui balançado no colo da Providência; como ela me sustentou ao longo de toda minha vida, como tinha espalhado a abundância em meu caminho e tinha me dado ricamente todas as coisas para que as desfrutasse. Lembrei como tinha estado comigo na hora da tribulação, como tinha me preservado no dia do furacão e como me protegeu no tempo da tormenta. Lembrei-me de toda Sua bondade para comigo e, surpreendido por Sua misericórdia, olhei meu pecado à luz de Sua graça e disse: “ó pecado, que ruim tu és, e que vil ingratidão manifestas contra um Deus tão profundamente amável”.

Então pensei que seguramente tinha visto o pior do pecado ao tê-lo contrastado, primeiro, com o caráter de Deus e, posteriormente, com Suas dádivas. Amaldiçoei o pecado desde o mais profundo de meu coração, e pensei que tinha visto o suficiente a respeito dele. Porém, ah, meus irmãos, não o tinha visto. Este sentido de gratidão passou, e me achei inclinado ainda ao pecado, e vi que ainda o amava.

Porém, ó, chegou uma hora três vezes feliz, e, contudo, três vezes fúnebre! Um dia, em meus descaminhos, ouvi um grito, um gemido; não me pareceu que fora um grito que brotasse de lábios mortais, mais havia nele impronunciáveis profundidades de uma forte dor. Virei ao lado, esperando ver um grandioso espetáculo, e o que vi foi de fato um grande espetáculo. Eis aqui que, por lá, em um madeiro, banhado em sangue, um homem estava dependurado. Vi o suplício que fazia com que Sua carne tremesse sobre seus ossos. Contemplei as negras nuvens que vinham rodando desde o céu, como os carros da amargura; eu as vi cobrir Sua fronte de escuridão; até mesmo vi a densa escuridão, pois meus olhos foram abertos, e percebi que Seu coração estava tão cheio da escuridão e do horror da dor como o céu estava repleto de negridão. Logo, a mim pareceu-me ver dentro de Sua alma, e ai divisei torrentes de indizível angústia, mananciais de tormento de um caráter tão terrível que nenhum lábio mortal se atreveria em beber para não se queimar com seu fervente calor. Perguntei: “quem é esse poderoso sofredor? Por que Ele sofre assim? Ele foi o pior dos pecadores, o mais vil de todos os blasfemos?” Mas então veio uma voz desde a glória excelsa que disse: “Esse é meu Filho amado; mas Ele tomou sobre Si o pecado do pecador, e tem que sofrer o castigo”. Ó Deus – pensei – eu nunca olhei para o pecado até essa hora, quando eu o vi arrebatar as glórias de Cristo de Sua cabeça, quando por um instante pareceu até mesmo retirar a misericórdia de Deus Dele, e quando eu o vi coberto com Seu próprio sangue e submerso nas máximas profundezas de oceanos de aflição. Logo, eu disse: “Agora saberei o que és, ó pecado, como nunca antes o soube”! Ainda que esses outros espetáculos pudessem me ensinar algo do terrível caráter do mal, contudo, nunca entendi quão vil era a culpa do homem traidor para com o Deus do homem até ver o Salvador no madeiro.

Ó, herdeiro do céu, levante agora seus olhos e contemple os cenários dos sofrimentos pelos quais seu Senhor passou por sua culpa! Venham à luz da lua e pare entre essas oliveiras; veja-o suar grandes gotas de sangue. Segue-o desde este jardim até ao tribunal de Pilatos. Olhe para seu Mestre submetido aos insultos mais profanos e imundos. Contemple a face de imaculada beleza profanada pela saliva dos soldados; olhe Sua cabeça perfurada com espinhos; observe Suas costas toda rasgada, sulcada, ferida e sangrenta sob o terrível látego. E, ó cristãos, observem-No morrer! Anda e pare onde Sua mãe esteve e ouça-o dizer-lhe: “Homem, contempla seu Salvador”! Aproxime-se nesta noite, e se detenha onde João esteve e ouça-o exclamar: “Tenho sede”, e descubra-se incapaz de mitigar Suas dores ou de compreender Sua amargura. Então, tendo chorado ali, levante sua mão e clame: “Vingança”! Cadê os traidores, onde eles estão? E uma vez que seus pecados sejam postos à luz como assassinos de Cristo, não permita que nenhuma morte seja demasiadamente dolorosa para eles; ainda que isso implique desprender-se do braço direito ou arrancar o olho direito e apagar sua luz para sempre, faça-o! Pois se esses assassinos assassinaram a Cristo, então eles devem morrer. Eles poderiam sofrer uma morte terrível, mas precisam morrer. Ó, que Deus Espírito Santo lhes ensine essa primeira lição, meus irmãos, a ilimitada perversidade do pecado, pois Cristo teve que colocar Sua vida para que o pecado de vocês pudesse ser suprimido.

II. Agora temos de considerar o segundo ponto, e vamos levantar nossos corações desde as profundezas da tristeza até as alturas do afeto. O Salvador deu sua vida por mim? Vamos ler assim agora: “ele deu sua vida por mim”, e oro pedindo ao Senhor que ajude a cada um de vocês, pela fé, a lê-lo assim, porque se dizemos “nós”, seria tratar com generalidades – e é verdade que são benditas generalidades – mas neste momento devemos tratar com coisas específicas, e cada um de nós que possa fazê-lo verdadeiramente, diga: “Ele deu sua vida por mim”. Então, QUÃO GRANDEMENTE ELE DEVE TER ME AMADO!

Ah, Senhor Jesus, nunca conheci Teu amor enquanto não compreendia o significado de Tua morte. Amados, se podemos, vamos tentar contar de novo a história de nossa própria experiência para fazer-lhes ver como o amor de Deus deve de ser assimilado. Venha santo, sente-se e medita em sua criação; note que maravilhosamente foi formado, e como seus ossos encaixaram-se entre si, e comprove que nisso existe amor. Observe, depois, essa predestinação que o colocou aí onde você está, pois as cordas lhe caíram em lugares deleitosos e, apesar de todas as suas tribulações, em comparação com muitas pobres almas, foi-lhe encarregada “uma formosa herança”. Note, então, o amor de Deus manifestado na predestinação que o fez o que é, e que o colocou onde está. Logo, olhe o passado e veja a misericórdia de seu Senhor, segundo lhe foi mostrada em toda sua peregrinação até agora. Você está envelhecendo, e seu cabelo está se tornando branco sobre sua fronte; mas Ele o levantou todos os dias desde a antiguidade; nenhuma de todas as boas palavras que o Senhor seu Deus disse nos faltou. Recorde a história de sua vida. Regresse agora e considere a tapeçaria de sua vida que Deus tem elaborado cada dia no fio de ouro de Seu amor, e note que quadros de graça existem nele. Você não pode dizer que Jesus o amou? Volte seus olhos ao passado, e leia nos antigos rolos do pacto eterno, e veja seu nome entre os primogênitos, os eleitos, a Igreja do Deus vivente. Conteste: Ele não o amava quando escreveu seu nome ali? Veja e lembre como os eternos acordos foram feitos, e como Deus decretou e arrumou todas as coisas de tal forma que sua salvação fosse realizada. Conteste, não existia amor ali?

Faça uma pausa diante da lembrança de suas convicções; pense em sua conversão; recorde sua preservação, e como a graça de Deus esteve trabalhando em você; pense na adoção; pense na justificação e em cada inciso do novo pacto; e quando tenha considerado o total de todas essas coisas, permita-me fazer-lhe esta pergunta: todas elas produzem em você tal sentido de gratidão como a coisa primordial que irei mencionar agora produz, a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo? Pois, meu irmão, se sua mente é como a minha, ainda que pense o suficientemente bem de todas essas coisas que Deus lhe deu, você será obrigado a confessar que o pensamento da morte de Cristo na cruz absorve todas elas.

Isso sei, meus irmãos, que eu posso olhar para trás ou posso olhar para adiante, mas que seja que olhe atrás, aos decretos da eternidade, ou que olhe adiante, à cidade com portas de pérola e a todos os esplendores que Deus preparou para Seus próprios filhos amados, não posso jamais ver o amor de meu Pai brilhando de tal forma em toda sua refulgência como quando olho para a cruz de Cristo e o vejo morrer ali. Posso ler o amor de Deus nas letras de pedra do pacto eterno, e nas flamejantes letras do céu no mais além; mas, meus irmãos, nessas linhas carmesins, nessas linhas escritas com sangue, existe algo mais assombroso do que existira em qualquer outro lado, pois dizem: “Ele deu sua vida por nós”. Ah, aqui é onde vocês aprendem do amor. Vocês conhecem a velha história de Damão e Pítias[2], e como os dois amigos debatiam entre si para decidir quem devia morrer pelo outro; isso era amor. Mas não existe comparação entre Damão e Pítias e um pobre pecador e seu Salvador. Cristo deu Sua vida, Sua gloriosa vida, por um pobre verme. Ele despojou a Si mesmo de todos os esplendores e depois, de toda Sua felicidade, e depois de Sua própria justiça, e depois de Suas próprias vestes, até ficar nu para Sua própria vergonha; e logo, deu Sua vida, que era tudo o que lhe restava, pois nosso Salvador não reservou nada para Si.

Só pensem nisto por um instante. Ele tinha uma coroa no céu; mas a colocou de lado para que você e eu pudéssemos levar uma coroa para sempre. Ele tinha um cinturão ao redor de Seus lombos de um esplendor mais brilhante que as estrelas; mas o tirou e o deixou de lado para que vocês e eu pudéssemos levar um cinturão de justiça eternamente. Ele tinha escutado os santos cânticos dos querubins e dos serafins; mas deixou tudo isso para que nós pudéssemos morar para sempre onde os anjos cantam; e logo veio à terra, e Ele tinha muitas coisas, inclusive em Sua pobreza, que poderiam atender ao Seu consolo. Ele despojou-se primeiro de uma glória, e logo de outra diante da exigência do amor; e ao fim, a conclusão foi que não lhe restava nada senão uma pobre túnica de um só tecido de cima abaixo, a qual grudava em Suas costas por conta do sangue, e até disso se desfez. Logo, já não lhe restava nada, pois não reservou para si nem uma só coisa. “Vejam” – poderia ter dito – “façam um inventário de tudo o que tenho, até o último centavo; renunciei absolutamente a tudo pelo resgate de Meu povo”. E não lhe restava nada senão Sua própria vida. Ó insaciável amor! Não poderia ter se detido aqui? Ainda que tivesse renunciado a uma mão para cancelar o pecado e a outra mão para nos reconciliar com Deus, e tivesse renunciado a um pé para que nosso pé pecador pudesse ser para sempre transpassado de lado a lado, e cravado e sujeitado para que não se desviasse jamais, e tinha renunciado ao outro pé para que fosse sujeitado ao madeiro para que nós pudéssemos ter nossos pés livres para correr a corrida celestial, não lhe restava nada senão Seu pobre coração, e também renunciou ao Seu coração que foi aberto para que se derramasse pela ferida da lança, e com abundância brotou dali sangue e água.

Ah meu Senhor, o que eu alguma vez tenho lhe dado, comparado com tudo o que Tu renunciaste por mim? Eu lhe dei algumas pobres coisas, como escassas moedas enferrujadas; mas que pouco é isso comparado com o que Tu me deste! De vez em quando, meu Salvador, eu te ofereci um pobre hino acompanhado por um instrumento desafinado; algumas vezes, Senhor, prestei algum pequeno serviço para Ti, mas, ai, meus dedos estavam tão negros que estragaram o que eu gostaria de lhe apresentar tão branco como a neve. Senhor meu, não é nada o que eu fiz por Ti. Não, ainda que eu tenha sido um missionário e renunciado ao lar e aos amigos; não, ainda que tenha sido um mártir e tenha entregado meu corpo para ser queimado, eu direi, na última hora: “meu Senhor, não fiz nada por Ti, depois de tudo, em comparação com o que Tu fizeste por mim; contudo, o que mais posso fazer? Como posso mostrar meu amor por Ti, devido Teu amor por mim, tão incomparável, tão sem par? Que farei? Não farei nada senão:

 

‘Enternecido por Tua bondade, irei prostrar-me em terra,

E chorarei para louvor da misericórdia que achei’

 

Isso é tudo que posso fazer, e isso devo fazer, e farei”

III. Agora, amados, vamos mudar o tema, e vamos tentar uma nota mais alta. Temos percorrido uma boa parte da escala musical, e agora alcançamos precisamente a altura da oitava. Mas temos algo mais que extrair do texto: “Ele deu sua vida por nós”. Meu Senhor deu sua vida por mim? Então, QUÃO SEGURO ESTOU!

Esta noite não teremos nenhuma controvérsia com aqueles que não enxergam esta verdade; que o Senhor abra seus olhos cegos e lhes mostre a verdade! Isso é tudo que diremos. Nós, os que conhecemos o Evangelho, vemos no fato da morte de Cristo uma razão pela qual temos de ser salvos que nenhuma força da lógica poderia jamais estremecer, nem algum poder da incredulidade poderia suprimir. Podem existir homens com mentes tão distorcidas, que concebam ser possível que Cristo morresse por um homem que, posteriormente, se perde; digo que é possível achar tais indivíduos. Lamento dizer: ainda é possível encontrar algumas pessoas assim, cujos cérebros foram tão confundidos em sua juventude que tais não podem ver que aquilo que sustentam é uma ridícula falsidade e uma difamação blasfema. Cristo morre por um homem, e logo Deus castiga esse homem outra vez! Cristo sofre em lugar de um pecador, e logo Deus condena esse pecador depois de tudo! Vamos, meus amigos, sinto-me, muito horrorizado com somente mencionar um erro tão terrível; e se não tivesse tanta vigência, passaria por alto com o desprezo que merece.

A doutrina do Espírito Santo é que Deus é justo, que Cristo morreu em lugar de Seu povo e que, como Deus é justo, Ele jamais castigará nenhuma alma solitária da raça de Adão por quem o Salvador houvesse efetivamente derramado Seu sangue. O Salvador morreu, em certo sentido, por todos; todos os homens recebem muitas misericórdias por meio de Seu sangue, mas que Ele fosse o Substituto e a Fiança por todos os homens é tão inconsistente com a razão e com a Escritura, que nós estamos obrigados a rejeitar essa doutrina com grande aborrecimento.

Não, minha alma, como você será castigada se Seu Senhor já suportou o castigo por você? Ele morreu por você? Ó minha alma, se Jesus não foi seu Substituto e não morreu em sua própria substituição, então Ele não é seu Salvador! Mas se Ele foi um Substituto, se sofreu como sua Fiança em seu lugar, então, minha alma, “quem é que os condenará?”. Cristo morreu, sim, e ressuscitou e se assenta à direita de Deus, e faz intercessão por nós. Esse é o argumento de maior peso: Cristo “deu sua vida por nós”, e “assim, sendo inimigos, fostes reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho, muito mais, estando reconciliados, seremos salvos por Sua vida”. Se as agonias do Salvador tiram nossos pecados, a vida eterna do Salvador, conjuntamente com os méritos de Sua morte, deve preservar Seu povo até o fim.

Isso eu sei – e poderiam ouvir que os homens gaguejam ao dizê-lo – que o que eu prego é a velha verdade luterana, calvinista, agostiniana, paulina e cristã: que não existe nem um só pecado no Livro de Deus contra ninguém que tenha fé. Nossos pecados foram postos sobre a cabeça de Azazel[3], e não existe nenhum pecado que algum crente tenha cometido que tenha poder algum de condená-lo, pois Cristo quitou o poder condenatório do pecado, permitindo-o condenar-se a si mesmo – falando em uma aventurada metáfora – pois o pecado condenou a Cristo; e dado que o pecado o condenou, o pecado não pode condenar-nos.

Ó crente, essa é sua garantia: que todos os seus pecados, suas culpas e todas as suas transgressões e iniquidades foram expiadas, e foram expiadas antes de tê-las cometido; de tal forma que você pode vir com ousadia, ainda que venha vermelho por todo tipo de crime, e negro por toda a lascívia, e pode por sua mão sobre a cabeça de Azazel, e quando tenha posto sua mão aí e tenha visto que Azazel é enviado ao deserto, então você pode aplaudir com alegria e dizer: “foi concluído, o pecado foi perdoado”:

 

“Aqui existe perdão para passadas transgressões

Não importa que negro seja seu molde;

E, ó minh’alma com assombro, veja

Aqui existe perdão também para pecados futuros!”

 

Isso é tudo o que preciso saber; o Salvador morreu por mim? Então eu não perseverarei no pecado para que a graça abunde; porém, nada me deterá de gloriar-me em todas as igrejas do Senhor Jesus, porque todos meus pecados são assim inteiramente tirados de mim, e, aos olhos de Deus, posso cantar como Hart o fez:

 

“Vestido com o manto imaculado de Cristo,

Santo como o Santo”.

 

Ó morte maravilhosa de Cristo, que firmemente coloca os pés dos membros do povo de Deus sobre as rochas do amor eterno; e que firmes os mantêm ali! Venham, amados irmãos, chupem um pouco de mel desse favo. Houve alguma vez algo tão suculento e tão doce para o paladar do crente como essa verdade sumamente gloriosa que estabelece que estamos completos Nele, e que por meio de e através de Sua morte e de Seus méritos somos aceitos no Amado? Ó, houve alguma vez algo mais sublime que esse pensamento, que já nos ressuscitou juntos, e que nos fez sentar juntos em lugares celestiais em Cristo Jesus, sobre todo principado e autoridade, tal como Ele se assenta? Certamente não existe nada mais sublime que isso, exceto que um pensamento essencial sela todas essas coisas com algo mais que seu próprio valor, e esse pensamento essencial é que ainda que os montes se movam e as colinas tremam, o pacto de Seu amor jamais se apartará de nós. “Pois” – diz o SENHOR – “eu jamais te esquecerei, ó Sião”; “Eis aqui que nas palmas das mãos lhe tenho escrita; diante de mim sempre estão seus muros”.

Ó cristão, esse é um firme fundamento, cimentado com sangue, sobre o qual se pode edificar para eternidade! Ah, minha alma, você não precisa de nenhuma outra esperança além dessa! Jesus, Tua misericórdia jamais morre; irei argumentar essa verdade quando estiver abatido pelas angústias: Tua misericórdia nunca morre. Irei argumentar isso quando Satanás lançar tentações sobre mim, e quando minha consciência me jogar na cara a lembrança do meu pecado; irei argumentar isso sempre e agora:

 

“Jesus, Teu sangue e Tua justiça

São minha beleza, meu glorioso manto”.

 

Sim, e depois que eu morrer e até mesmo quando comparecer diante de Teus olhos, temor Supremo:

 

“Quando me levante do pó da morte

Para receber minha mansão nos céus,

Até então esse será todo meu argumento,

‘Jesus viveu e morreu por mim’

Valoroso comparecerei naquele grande dia

Pois, quem me acusará de algo?

Já que através do sangue de Cristo sou absolvido

Da tremenda maldição e vergonha do pecado”.

 

Ah, irmãos, se essa é sua experiência, podem se aproximar da Mesa da Comunhão agora, muito felizmente. Não será como ir a um funeral, mas sim a uma festa de alegria. “Ele deu sua vida por nós

 

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ORE PARA QUE O ESPÍRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALVÍFICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE: Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon2656.pdf

Título original: THE DEATH OF CHRIST FOR HIS PEOPLE

Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público e com autorização de Allan Roman.

Sermão nº 2656 — Volume 46 do The Metropolitan Tabernacle Pulpit,

Tradução: Armando Marcos Pinto

Revisão: Cibele Cardozo

Capa: Victor Silva

_____________________________________________________________________NOTAS

[1] Em inglês, na King James Version aparece assim: “Hereby perceive we the love {of God},” (N.T)

[2] Na mitologia grega, a lenda de Damão e Pítias simboliza a confiança e a lealdade de uma verdadeira amizade. (FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dam%C3%A3o_e_P%C3%ADtias )

[3] Azazel: esse termo só aparece na descrição do dia da Expiação (Levítico 16:8,10,26). A voz denota “Bode expiatório”, e devemos explicá-la como “o bode que se aparta”. O significado do rito deve ser que o pecado era eliminado, de forma simbólica, da sociedade humana e levado à região da morte (Novo dicionário Bíblico, edições certeza) NOTA do original espanhol